Em todas as cidades suíças que entraram no meu roteiro para essas férias de quase um mês de duração, incluí pelo menos um dia de passeio no centro antigo e com Berna não foi diferente. Trata-se de um país com séculos de história e construções medievais muito bem conservadas, o que me encanta profundamente.
Na capital do país, acabei optando me hospedar fora dessa área mais turística por questão de custo. A escolha foi pelo Hotel ibis Budget Bern Expo, que fica a cerca de 1.5 km do centro.

Meu passeio começou com uma caminhada saindo do hotel logo depois do café da manhã. O primeiro destino foi o parque Rosengarten, que fica a cerca de 750 metros de distância. O antigo cemitério foi transformado em um agradável jardim com centenas de espécies de rosas, lírios, rododentros e tulipas, além de cerejeiras japonesas que florescem por tempo limitado na primavera e diversas outras plantas e árvores. Outro destaque do local é a vista que proporciona da cidade, uma vez que se encontra no alto de um morro.

Na descida da ladeira em direção à margem do rio Aare, passei por outro importante ponto turístico: o BärenPark, mais conhecido como Bärengraben. Os ursos são um símbolo da cidade, aparecendo em seus selos e no brasão de armas desde, aproximadamente, o ano de 1220. Há séculos mantidos em exposição em fossos, ganharam esse parque mais adequado às suas necessidades em 2009. Ali vivem Björk, Finn e sua filha Ursina. O local é aberto e pode ser visitado gratuitamente qualquer dia do ano, a qualquer hora. É importante ter em mente, entretanto, que os animais ficam mais ativos nos meses quentes do ano, já que no inverno eles hibernam.

O parque está do lado da Nydeggbrücke, construída entre 1840 e 1844 para atender o aumento do tráfego de mercadorias e turistas, além de superar a diferença significativa de altura entre as duas margens do rio – as subidas eram mais problemáticas para as carruagens puxadas por cavalos da época do que para os veículos motorizados atuais. A ponte tem um comprimento total de 200 metros e três arcos, o maior deles com 46 metros de extensão, um dos maiores em pedra natural de todos os tempos.

Mas acabei optando por não fazer a travessia por ali e caminhar até o Felsenburg, um castelo fortificado construído, provavelmente, entre 1260 e 1270 como parte das defesas da cidade. A torre original era aberta na parte de trás, voltada para a cidade, mas foi fechada em 1583. Durante essa renovação, o brasão de armas da cidade-estado foi pintado na fachada exterior. Após várias reformas e expansões ao longo dos séculos seguintes, a propriedade foi vendida para um comprador particular em 1862 e convertida em uma casa de aluguel.

A torre fica exatamente ao final da Untertorbrücke, ponte que eu usei para atravessar o rio e chegar ao centro histórico em si. A necessidade de viabilizar a travessia do rio surgiu logo após a fundação da cidade, em 1191. A primeira versão da Untertorbrücke era feita de madeira e foi completada em 1256, pouco antes da construção da torre do Felsenburg. Em 1460, uma grande enchente causou severos danos na estrutura de madeira. O governo da cidade decidiu, então, pela construção de uma nova ponte com arcos de pedra, o que aconteceu entre 1461 e 1489. Essa é a mais antiga das pontes de Berna sobre o rio Aare e se manteve a única até o século XIX. Atualmente, a ponte está reduzida ao básico da estrutura medieval, sem traços do antes extensivo sistema de fortificações e dos portões barrocos. Sobre os pilares dos arcos, há mirantes com grades de ferro, que aproveitei para tirar fotos.

Já na outra margem do rio, minha primeira parada foi na igreja reformada Nydeggkirche. Em 1190, o Duque Berchtold V von Zähringen construiu um castelo nesse local. Depois da extinção da sua linha de sua família, o local ficou sob o controle do governo e foi demolido pela população local para a expansão da cidade. Uma pequena igreja foi erguida no local entre 1341 e 1346. No século seguinte, a estrutura foi aumentada com uma torre e uma nova nave. Com a reforma protestante, em 1529, a Nydeggkirche foi transformada em um armazém de barris, madeiras e grãos, voltando à sua função original após 37 anos. Pouco depois a torre do sino pegou fogo e foi destruída. O telhado foi refeito e o mecanismo do relógio consertado. A maior parte da aparência atual da torre data de 1571. Quando eu passei por lá, a igreja estava aberta e pude conferir o seu interior simples.

Saindo dessa igreja, cheguei à rua principal do centro histórico. Nesse quarteirão ela recebe o nome de Gerechtigkeitsgasse, o que pode ser traduzido como “rua da justiça”. Com apenas 260 metros de extensão, trata-se de uma via em que quase não circulam carros, pois estes precisam de uma permissão especial para circulação na área. A maioria das pessoas passa por ali a pé ou de bicicleta. De qualquer maneira, é importante ficar atento ao pouco trânsito, pois há circulação de ônibus.

Essa rua era a principal da cidade nos tempos de sua fundação. Com sua largura diminuída de 26 para 18 metros após a construção das arcadas, também servia como mercado central da Berna medieval. Por esse motivo, juntamente com a Kramgasse, era chamada de Märitgasse (rua do mercado) até o século XVI. Após da mudança do mercado, a população passou a se referir a esse trecho como Gerechtigkeits (perto da justiça) devido à presença da fonte instalada em 1543. Somente em 1798 ela foi oficialmente renomeada.
Não há muitos registros da arquitetura dessa rua antes de 1600. A data mais antiga registrada em uma casa é de 1531. Assim como na continuação da rua, a maioria das casas recebeu novas fachadas até 1780 no estilo barroco tardio.

A Gerechtigkeitsbrunnen foi criada em 1534, sendo a única das fontes do centro histórico de Berna a preservar todos os seus elementos originais, embora a estátua seja uma cópia, já que a anterior foi destruída por vândalos em 1986. Representando a Justiça, a figura central segura uma espada na mão direita e uma balança na esquerda, tendo uma venda sobre os olhos. Enquanto a espada e a balança eram atributos comuns em suas representações, a venda nos olhos era uma novidade. Somente depois esse elemento que implica que todos são iguais perante a lei se tornou comum. Aos seus pés ficam quatro bustos: o Papa, o Imperador, um Sultão e um Schultheiss (espécie de administrador da cidade). O simbolismo é que a Justiça, de natureza divina, estaria acima de todas essas autoridades terrenas. A obra teve grande influência até o meio do século XVII. Apenas na Suíça, existem 17 fontes parecidas (fora as que foram destruídas).

Dali fiz um pequeno desvio para uma das ruas paralelas para ver o prédio da Rathaus. Construído entre 1406 e 1415 no estilo gótico tardio, o local ainda é usado pela prefeitura. O espaço também é sede do governo cantonal. Ao seu lado fica a Kirche Saint Peter und Paul, construída entre 1858 e 1864. Quando eu passei por lá ela estava aberta e pude dar uma conferida nas pinturas do teto e nas janelas em art nouveau.

Como não podia faltar, a pequena praça em frente à prefeitura também possui a sua fonte, a Vennerbrunnen. Criada em 1542, a figura representa um porta-bandeira cuja tarefa de intendente era coletar os impostos, vigiar os mercados e o corpo de bombeiros. O nome “venner” era usado até tempos recentes para se referir ao patrulhamento no país. As águas dessas fontes do centro histórico são potáveis e sua qualidade é verificada regularmente, podendo ser usadas para reabastecer garrafinhas durante os passeios.

Dali atravessei a rua principal para o outro lado para visitar a principal igreja da cidade, a Berner Münster. Construído a partir de 1421 tanto pela importância da religião católica quanto para mostrar o poder do estado, é o prédio mais imponente de todo o centro histórico. Apesar de ter tido a maior parte de suas decorações retiradas e destruídas durante a reforma protestante, a catedral ainda possui importantes elementos artísticos, como a representação do juízo final no portal principal e os enormes vitrais. A visita ao interior é gratuita.

Já a subida na torre da catedral é paga, mas vale a pena pela vista que proporciona de toda a região. Em dias mais claros, é possível até mesmo ver os picos dos montes nos alpes, incluindo o Jungfrau. O passeio também complementa a visita à própria igreja, já que permite ver com mais detalhes elementos arquitetônicos como as gárgulas presentes na fachada e os sinos. São mais de 200 degraus de escada, o que exige uma certa disposição. Mas você pode fazer a subida em um ritmo mais lento, parando para observar a paisagem pelas generosas janelas ou no primeiro terraço.

Em frente à catedral fica a Münsterplatz, onde se destaca outra fonte medieval, a Mosesbrunnen. A estátua data de 1544 e, como o próprio nome indica, representa Moisés, que aparece trazendo os dez mandamentos para as tribos de Israel. Moisés é mostrado com dois raios sendo projetados de sua cabeça, uma referência a Êxodos 34:29-35, que conta que a pele de sua face ficou radiante após um encontro com Deus.

Também vale a pena visitar o Münsterplatform, parque aberto que fica ao lado da catedral. O terraço foi construído a partir de 1334. No século XX, o local deixou de ser utilizado como um cemitério e foi transformado em uma grande praça. A plantação de limeiras e castanheiras, abertura de caminhos e reestruturação geral o tornaram um agradável parque com vista para a parte baixa da cidade e o rio Aare.

Da Berner Münster eu voltei para a rua principal, nesse trecho com 330 metros chamado de Kramgasse. O antigo mercado a céu aberto, após a reforma protestante, foi sendo substituído por lojas, o que ocasionou a mudança do nome da via de Märitgasse (rua do mercado) para Kramgasse (rua das mercearias). Ao longo do tempo, a rua foi se valorizando lentamente. No século XIX, os moradores se queixavam do lixo, do cheiro e dos ruídos associados ao Schaal, um salão aberto de barracas de açougueiros. Diz a lenda local que um bezerro esfolado vivo ainda assombra o local de sua morte. O Schaal foi demolido em 1938 e um conservatório foi construído em seu lugar.

Na segunda metade do século XIX, a parte comercial da Kramgasse diminuiu à medida que os negócios se mudaram para a parte mais nova e ocidental da cidade e as autoridades fecharam muitas das barulhentas tavernas locais. Na virada do século XX, a rua já era um ponto turístico e o tráfego motorizado foi gradualmente reduzido em toda a parte baixa da cidade velha. Um de seus moradores ilustres foi Albert Einstein, que se mudou para a Suíça para trabalhar e estudar.

Uma das principais atrações da região é a visita ao museu que funciona onde Albert Einstein morou entre os anos de 1903 e 1905 com sua família. A Einstein-Haus conta com um vídeo e vários textos e fotos que retratam a sua vida privada, estudos e trabalhos, além de ambientes decorados. O apartamento no segundo andar é bem simples e vale a pena ser visitado, já que o ingresso é bem barato. Eu esperava um museu mais moderno e interativo, mas gostei de ter conhecido.

Entre as fontes dessa área, destaca-se a Simsonbrunnen, construída em 1527 e ampliada poucos anos depois. Ali está representado o herói católico romano Sansão, que aparece armado e carregando ferramentas de um açougueiro enquanto se prepara para rasgar as mandíbulas do leão. É possível que essa fonte tenha sido doada pela guilda dos açougueiros, o que explicaria a presença das ferramentas. Sansão foi o símbolo popular de poder no século XVI e foi considerado o Héracles bíblico. A estátua original foi substituída por uma cópia em 1973.

Outro destaque da rua é a torre do relógio, o Zytglogge. Alguns minutos antes de cada virada de hora, é possível testemunhar o movimento e sons do relógio. A parte mais interessante para mim, entretanto, foi fazer a visita guiada na parte interna da torre, que só acontece uma vez por dia. Como o número de visitantes é bastante limitado, recomendo adquirir o passeio com antecedência. Lá se pode conhecer um pouco mais sobre a história da torre, ter uma bela vista do centro histórico e, principalmente, ver o funcionamento do intricado mecanismo que há séculos controla os relógios e o calendário astronômico da fachada. Sem dúvida, um dos pontos altos do passeio pelo centro histórico da cidade.

Outra fonte de água imperdível é a Kindlifresserbrunnen. Criada em 1545/46, foi chamada inicialmente de Platzbrunnen (fonte da praça). O nome atual surgiu em 1666. Klindli, no alemão suíço, é um diminutivo da palavra germânica kind, que quer dizer criança. A tradução literal do nome Kindlifresserbrunnen seria “fonte do comedor de criancinhas”. A escultura mostra um ogro devorando um bebê pelado, tendo ao seu lado um saco com outras crianças. Não se sabe exatamente o que motivou o artista a fazer tal criação. Como o chapéu do ogro lembra aquele utilizado pelos judeus, especula-se que seja uma representação da crença de que eles sequestravam e matavam os filhos dos cristãos para usar seu sangue em rituais religiosos. Outra teoria é de que se trata de Krampus, uma criatura do folclore alpino que punia, na época do Natal, os que se comportaram mal durante o ano. Ainda dizem que pode se tratar dos deuses Cronos (grego) ou Saturno (romano). Também poderia ser um alerta para que os meninos tomassem cuidado com os fossos de ursos. E por aí vai.

Fato é que a curiosa fonte fica na Kornhausplatz, que possui esse nome por estar em frente ao Kornhaus (celeiro), um dos mais belos exemplos da arquitetura barroca da cidade. Originalmente, os três andares superiores da construção eram utilizados para armazenar grãos, enquanto no porão eram mantidos barris de vinho. Como o celeiro já não servia ao seu propósito original desde o início do século XIX, quando passou a abrigar um pub, foi transformado em um local para festivais em 1893. Atualmente, é um versátil centro cultural e abriga teatro, bibliotecas, dois restaurantes e outros atrativos. Os desenhos nos pilares representam roupas tradicionais femininas e músicos alemães da época da renascença. Figuras mitológicas também estão presentes, incluindo o homem na lua, um dragão, uma sereia e outros.

Outro local que me chamou a atenção pela sua arquitetura foi o Casino Bern, importante ponto de encontro cultural e social da cidade. Atualmente, o interior do prédio encontra-se em reforma e está sendo preparado para ser uma casa de concertos de alto nível, eventos culturais variados, espaço para conferências, congressos e seminários, além de experiências gastronômicas. O edifício em barroco tardio está programado para reabrir suas portas no verão de 2019.

Dali fui caminhando até o Bundeshaus. Depois que Berna foi nomeada capital da Suíça, em 1848, um novo prédio do Parlamento precisava ser feito. As obras tiveram início quatro anos depois, mas a parte central só foi concluída em 1902. A cúpula é revestida de cobre e tinha uma cor vermelha. Com o tempo, formou-se sobre o cobre a típica patina verde turquesa – mesmo processo natural por que passou a Estátua da Liberdade de Nova York. Nessa mesma época foram demolidos um casino e outras casas para dar espaço para a Bundesplatz, uma extensa praça com fontes de água no chão que as pessoas estavam aproveitando para se refrescar no agradável dia de primavera em que visitei o local. Durante anos, a praça foi usada como estacionamento, o que não fazia justiça à sua importância nacional. Seu estado atual data do começo dos anos 2000.

Logo depois se encontra a Bärenplatz, onde foi estabelecido o primeiro fosso de ursos de que falei no começo da postagem. A praça foi construída sobre a vala que ficava em frente às muralhas de proteção da cidade. A fonte Bärenplatzbrunnen, datada de 1840, foi movida para o centro da praça em 1901. Uma escultura foi colocada poucos anos depois e mostrava um grupo de ursos brincando. Ela seria substituída em 1935 pela figura atual.

Seguindo pela mesma rua, passei em frente à Käfigturm, uma torre medieval construída para abrigar os portões de entrada após a expansão de Berna, em 1256 – a muralha original ficava no ponto da Zytglogge, pode onde eu já havia passado mais cedo. Com uma terceira expansão, em 1345, a Käfigturm passou a ser a segunda linha de defesa. Em 1405, um grande incêndio destruiu a maior parte da cidade e a prisão mudou para essa torre, vindo daí a sua denominação que significa, literalmente, torre da prisão. A estrutura que se vê, no entanto, data da década de 1640. A partir do século XIX, os presos foram removidos para outro local e o espaço passou a ter usos diversos.

No quarteirão seguinte encontra-se a Holländturm, cujo nome significa torre holandesa. Construída por volta de 1256, fazia parte da mesma linha de defesa nas muralhas de Berna. Com a expansão da cidade, essa estrutura foi liberada para fins civis, passando a abrigar uma forja de armas. O nome atual foi dado quando holandeses passaram a usar o local para fumar tabaco escondidos, uma vez que a prática era proibida à época.

Essa rua tem várias lojas, restaurantes e bares. Eu voltei ali a noite para comer na Pizzeria Ristorante Molino Thurm. Achei muito agradável sentar à mesa na parte externa, onde era possível observar a movimentação das pessoas. Com iluminação à luz de velas, gastronomia italiana artesanal e preços em conta, não tem como não ter ali bons momentos. Se eu tivesse ficado mais tempo na cidade, certamente teria voltado ao restaurante para experimentar uma das massas frescas – no dia que eu fui, pedi uma pizza.

Mais para frente da Waisenhausplatz fica o último ponto do centro histórico pelo qual passei, a Meret-Oppenheim-Brunnen. Essa fonte foi inaugurada em 1983 e representa o crescimento e a vida. Trata-se de uma alta coluna de concreto de onde a água desce em espiral. Com o tempo, como pretendia o artista que dá nome à fonte, foram crescendo musgos e plantas na estrutura.
Obviamente há alguns pontos do centro histórico da cidade que eu não citei, incluindo algumas outras fontes e construções de arquitetura relevantes. No mapa interativo acima, marquei os principais deles. Sinta-se livre para traçar o seu próprio roteiro. Também é uma boa ideia andar sem rumo pela região, entrando nas ruas menos procuradas pelos turistas, pois há vários cantinhos extremamente fotogênicos nessa cidade tão bem conservada.
Olá! Pensando em fazer essa viagem pela Suíça em agosto. Você conseguiu fazer todo esse circuito em apenas um dia? Mina ideia era fazer a base em Zurique ou Lucerna e um bate e volta até Berna num dia e Basel em outro dia.
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Olá! Dá sim para conhecer a parte histórica de Berna em um dia!
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