Pedalinhos na praia do Lago Titicaca

Lago Titicaca

Foi do avião que eu vi pela primeira vez o Lago Titicaca. Eu estava indo para o Peru e achei que já estava chegando em Lima, cidade às margens do Oceano Pacífico, pois o lago é tão grande que pensei que aquelas águas azuis eram do mar – sabe de nada, inocente. Mas realmente dá para confundir, pois o Titicaca possui uma área de 8.200km2, maior que toda a grande São Paulo. É propagandeado como o lago navegável mais alto do mundo, a mais de 3800 metros acima do nível do mar, e sua profundidade máxima chega a 280 metros.

A origem do lago é contraditória. Uma teoria argumenta que a origem é marinha, tendo a água ficado presa entre as montanhas quando as cordilheiras foram formadas há milhões de anos atrás. A outra possibilidade é que a água é proveniente do desgelo do período conhecido como Pleistoceno. No último um milhão de anos, ocorreram quatro grandes eras do gelo. Extensões de terra foram cobertas por uma imensa camada de gelo, um fenômeno conhecido como glaciação. Quando o clima ficava mais quente, elas derretiam.

Outro fator que causa discórdia é o nome Titicaca. Não há registros de nomes pré-históricos, mas é certo que ele recebeu denominações diversas devido à quantidade de povoados de diferentes culturas na região. Já que os termos titi e caca podem ser traduzidos de várias formas. Os aymaras consideram que o nome significa “puma cor de chumbo” em referência à figura que aparece na Roca Sagrada da Isla del Sol. Essa pedra era conhecida nos séculos XV e XVI como thaksi cala, o que poderia também ser a origem de Titicaca. Nunca saberemos.

Mapa do Lago Titicaca
Mapa do Lago Titicaca

O maior lago da América do Sul em termos de volume de água e área de superfície encontra-se na divisa entre o Peru e a Bolívia. O Titicaca se divide em duas bacias conectadas pelo Estreito de Tiquina, que atravessei no trajeto entre La Paz e Copacabana.

Cinco rios principais, Ramis, Coata, Ilave, Huancané e Suchez, alimentam o lago, além de mais de 20 outros menores. Há apenas uma saída, o Rio Desaguadero, mas ele representa apenas 10% da perda de água do lago. Os outros 90% são causados pela evaporação devido a ventos fortes e a intensidade do sol na altitude elevada. No geral, é praticamente um lago fechado.

Copacabana vista do Cerro Calvario
Copacabana vista do Cerro Calvario

Depois de anos que vi o Titicaca apenas pela janelinha do avião, fiz outra viagem para a região e dessa vez incluí passeios pelo lago. Do lado boliviano, a principal cidade às suas margens é Copacabana. Já no caminho de ônibus entre La Paz e a cidade é possível avistar várias vezes o lago, que precisa ser atravessado de barco no estreito. Não sei se foi a época ou especificamente os dias em que fui, mas achei o lago bem mais bonito nessa região do que no Peru. Copacabana tem alguns atrativos, como o Cerro Calvario e a Basílica de Nuestra Señora de Copacabana, mas é usada principalmente como base para uma visita à Isla del Sol.

Ruta Sagrada de la Eternidad del Sol - Willka Thaki
Ruta Sagrada de la Eternidad del Sol – Willka Thaki

O trajeto de barco entre Copacabana e a ilha é, por si só, um passeio maravilhoso. A Isla del Sol é uma das maiores das dezenas de ilhas presentes no Titicaca. O local foi utilizado por várias civilizações e tem atraído cada vez mais turistas com suas ruínas históricas. Ali também é possível fazer a caminhada pela Ruta Sagrada com cerca de 8km que liga as comunidades do norte e sul da ilha, sempre com belas vistas da paisagem que fazem valer à pena o esforço.

O lago cumpre função de estabilização climática, além de ser fonte de peixes, totoras, aves e água para consumo e irrigação de plantações. São mais de 530 espécies de animais aquáticos presentes na região.

Balsa tradicional
Balsa tradicional

As totoras, uma vegetação aquática abundante no lago, são usadas para a criação de ilhas artificiais, as Islas Flotantes de los Uros. Segundo a lenda, os Uru são originais da Amazônia e migraram para a área na era pré-colombiana, mas foram oprimidos pela população local e não conseguiram manter uma terra para si. Com isso, passaram a construir as ilhas flutuantes e moravam permanentemente nas águas, migrando para aqui ou ali de acordo com a necessidade. Historicamente, ficavam mais na parte central do lago, a cerca de 14km das margens. Mas, em 1986, com as ilhas devastadas por uma forte tempestade, passaram a se concentrar mais perto de Puno, a principal cidade peruana às margens do lago.

A época pré-inca foi marcada principalmente pelas culturas Chiripa, ao sul, e Pucará, ao norte. Ambas utilizavam as encostas dos morros em degraus rodeadas de água para a plantação de alimentos, uma técnica conhecida como waru waru que protegia a vegetação das geadas. Acredita-se que foi quando se iniciou a domesticação de  alguns animais sul-americanos como a alpaca e a lhama. Os Tiahuanacota dominaram o Titicaca até o ano 200 d.C., construindo importantes centros cerimoniais nas ilhas e ao redor do lago.

Chicana - Laberinto
Chicana – Laberinto

As civilizações pré-hispânicas chegaram a atribuir um caráter sagrado ao lago, como a origem do sol e da lua. Segundo a lenda, os homens viviam como animais selvagens, sem religião, leis ou organização social. Também não faziam plantações e a alimentação era à base da caça e coleta de alimentos. Moravam em cavernas e viviam sem roupas. Compadecido com aquelas pessoas, o deus Inti enviou seus filhos Ayar Manco e Mama Ocllo para civilizar as populações bárbaras. A crença é que eles saíram da Roca Sagrada localizada na Isla del Sol.

Roca Sagrada - Titikala
Roca Sagrada – Titikala

Ayar Manco, também chamado de Manco Capac, andava com um bastão de ouro e deveria fundar uma comunidade onde conseguisse fincar com facilidade o objeto no solo. Após uma peregrinação, encontrou o local adequado, que foi considerado então o umbigo do mundo e se tornou a capital do Império Inca. Ali nasceu a cidade de Cusco e Manco Capac se dedicou a ensinar aos homens as normas de convivência em sociedade e a adoração a Inti. Mama Ocllo passou às mulheres técnicas de produção de tecidos e trabalhos domésticos.

Na época colonial, com a criação do Virreinato del Peru, em 1542, o lago passou a ser administrado pela Espanha. As divisões de terra variaram ao longo dos séculos até a independência do Peru, em 1821, e da Bolívia, em 1825. A partir de 1932, oficializou-se a divisão do Titicaca entre os dois países. Se você planeja uma viagem para a região, recomendo que visite ambos os lados.

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