Eu me lembro que, no meu tempo de escola, os livros de história brasileira tinham como ponto de partida o descobrimento do Brasil. Era reconhecida a presença dos indígenas, mas sem grande aprofundamento. Sabe-se que, há 30 ou 40 mil anos, as terras que receberam o nome de América foram descobertas por povos de origem asiática, que teriam passado para esse continente durante um período de glaciação que provocou a retração do mar e facilitou a travessia do Estreito de Bering, entre a Rússia e o Alaska. De fato, essa área da Bahia era ocupada por alguns de seus distantes descendentes, os tupinambás e, antes deles, pelos tupinaés.

Mas pouco se diz sobre a época anterior à chegada dos portugueses, quando começaram a ser feitos os registros históricos. Segundo relatos do Padre Manoel de Nóbrega, um dos primeiros a realizar trabalhos de catequese com os nativos, os tupinambás viviam em grupos de 500 a 3000 indivíduos e eram “muito belicosos, muito amigos de novidades, demasiadamente luxuosos, grandes caçadores e pescadores, e amigos de lavouras”. A igreja estabeleceu missões na costa e no interior do continente de acordo com as necessidades dos conquistadores e muitos índios foram convertidos ao catolicismo pelos jesuítas, sendo obrigados a aceitar os valores do povo dominante e usados como trabalhadores escravos pelos colonos.

A colonização era uma prática comercial. Não é à toa que os portugueses logo instalaram um padrão de posse onde hoje está o Farol da Barra, marcando o território décadas depois. Conhecido como Caramuru, nome dado ao peixe moreia, Diogo Álvares Correia sobreviveu a um naufrágio na região aos dezessete anos de idade e, aclimatado entre os tupinambás, teve diversas mulheres e fez dezenas de descendentes, até se casar com uma índia convertida ao cristianismo. Ele passou 22 anos entre os indígenas até o reestabelecimento do contato com seus patrícios, quando exerceria papel importante como mediador das relações entre os navegadores portugueses e os nativos.

A colônia foi dividida por Dom João III em capitanias hereditárias e, em 1536, foi estabelecida oficialmente uma vila com a chegada do donatário Francisco Pereira Coutinho, que tinha como objetivo administrar o local e explorar seus recursos em nome do rei. Era uma época de conflitos entre os colonizadores e os indígenas e ele acabou morto. Em 29 de março de 1549, chegou a frota de colonos portugueses chefiada por Tomé de Sousa, primeiro governador-geral do Brasil, com ordens de fundar a cidade-fortaleza de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, centro administrativo da colônia importante na indústria de açúcar e no comércio de escravos, além da atividade portuária e a comercialização do algodão, do fumo e do gado.

No local do desembarque está o Marco de Fundação da Cidade do Salvador, inaugurado em 1952. Trata-se de uma estrutura vertical esculpida por João Fragoso em pedra de lioz portuguesa com o símbolo da coroa e uma cruz, além de um painel de azulejos de autoria de Joaquim Rebucho que mostra a chegada de Tomé de Sousa. A pintura atual, feita pelo artesão Eduardo Gomes, é uma réplica do original e data de 2003.

A localização privilegiada fez com que se desenvolvesse toda a região do Recôncavo Baiano, principalmente as cidades de Santo Amaro, Cachoeira, Maragogipe e Itaparica, onde se destacavam as atividades de pesca, a indústria naval, os estaleiros, a produção de mandioca e frutas e um rico artesanato utilitário e decorativo. A cidade se desenvolveu na parte plana do alto da escarpa, uma elevação abrupta do terreno que favorecia a defesa, na Cidade Alta. Já a área da Cidade Baixa na capital recebeu diversos barcos a vela ao longo de quatro séculos, particularmente os saveiros, típicos da região. Ali cresceu, onde hoje fica o Mercado Modelo, o bairro comercial. Esse tipo de transporte só entraria em declínio após a abertura de estradas e a queda da economia.

A grande circulação de pessoas e a sociedade formada por índios, negros, europeus e mestiços contribuiu para a formação de uma gastronomia específica com foco nas mariscadas, moquecas e escaldos dos peixes e frutos do mar, além do uso de produtos vindos do sertão e das influências estrangeiras. As iguarias são marcadas, principalmente, pela influência negra e indígena, com pratos picantes, coloridos e afrodisíacos. Um dos locais onde se pode conhecer melhor a história dessa culinária, além de provar muitos de seus pratos típicos, é o Museu da Gastronomia Baiana. A cidade também era o destino das mercadorias trazidas da Ásia, que fornecia especiarias e muitos outros produtos.

Não demorou para que a riqueza da capital atraísse a atenção dos estrangeiros, que promoveram diversas expedições com o objetivo de conquistá-la. O maior período de conflito se deu com a ocupação holandesa a partir de 1624, que durou 11 meses. Eles tentariam outra empreitada na década seguinte, novamente sem sucesso a longo prazo. Não sem motivo, um dos grandes atrativos da cidade nos tempos atuais são os diversos fortes ao longo de seu litoral.

Estima-se que cinco milhões de escravos foram trazidos para o país entre os séculos XVI e XIX, sendo que uma boa porcentagem morria durante a travessia nos tumbeiros, como eram chamados os navios negreiros. A ilegalidade do tráfico só seria declarada em 1850, mas o comércio continuou de forma clandestina. Salvador foi o principal porto negreiro do país, o que explica a forte presença dos africanos na cultura local.

O folclore, as festas, os costumes, as roupas, as músicas, a arquitetura e todos os demais aspectos da cultura local tiveram grande influência do mar e da religiosidade, que dominava os costumes e a vida social, com a realização de procissões, missas e outros eventos. Desde os primeiros anos de colonização, foram construídos espaços para exercer a fé, com destaque para as belas igrejas em estilos barroco e renascentista do centro histórico, no Pelourinho. O bairro tem milhares de construções tombadas como patrimônio da humanidade, com destaque para o complexo das Igrejas e Convento de São Francisco, que impressionam com a quantidade de ouro, azulejos portugueses e móveis em madeira esculpida.

Salvador foi a capital do Brasil até 1763, quando o aumento da exploração de minerais no sudeste fez com que o Rio de Janeiro fosse mais estrategicamente bem localizado. Ainda assim, em 1808, com as investidas de Napoleão na Europa, a cidade recebeu a família real portuguesa. Nessa ocasião, o príncipe regente D. João abriu os portos às nações amigas e fundou a escola médico-cirúrgica, primeira faculdade de medicina do país. Poucos anos depois, Salvador teve papel relevante na independência do país, com forças de quase mil homens no mar e mais de três mil em terra, principalmente na Ilha de Itaparica, onde a tropa portuguesa tentava domínio para receber suprimentos que chegassem por mar. O conflito continuou até mesmo depois de 1822.

No final do século XIX, o ritmo de crescimento foi retomado. Data de 1873 a primeira construção do Elevador Lacerda, que liga a Cidade Baixa ao Pelourinho. Já na segunda metade do século seguinte, com a exploração do petróleo e o desenvolvimento industrial, Salvador consolidou sua posição de metrópole regional e cresceu na direção das praias e das colinas. A Cidade Alta, onde se localizam os prédios da administração pública, se modernizou bastante, mas ainda conserva os casarões, sobrados, igrejas e palácios, que passaram por um extenso trabalho de restauração. O projeto, realizado a partir da década de 1990, tirou da região milhares de residentes da classe trabalhadora, que foram morar nas periferias da cidade e passaram a encontrar dificuldades econômicas significativas.

Já são cinco séculos desde que os europeus caminharam por essas terras pela primeira vez. Salvador, com seus milhões de habitantes e mais de 500 anos de história, abriga um dos mais importantes conjuntos arquitetônicos do país. O turismo, um dos pilares da economia atual, permite conhecer solares, fontes, ascensores, monumentos e muitas outras construções, além de festas, comidas, artesanatos, vestuários e outros fatores que são testemunhas da história e do desenvolvimento da cultura da Bahia e do Brasil. Certamente um passeio imperdível pelas nossas raízes.