O alienista

O alienista ★★★☆☆

Titulo original: The alienist
Temporada:
Episódios: 10
Ano: 2018
Elenco: Daniel Brühl, Luke Evans, Dakota Fanning, Brian Geraghty, Robert Ray Wisdom, Douglas Smith, Matthew Shear, Q’orianka Kilcher e Matt Lintz.

A mente dos serial killers é algo que tem fascinado o público há anos, tanto que há diversos livros, programas de televisão, filmes, séries de televisão, novelas e praticamente qualquer outro meio que sirva para se contar uma história focados no tema. Eu tenho amigos que são realmente viciados nisso (devo ter medo?) e eu mesmo gosto bastante de um bom drama psicológico, suspense e investigações policiais, sejam eles reais ou ficcionais. Uma das mais recentes adições é essa série lançada no Brasil pelo Netflix no começo de 2018.

Livro que inspirou a série

A história se baseia no livro O alienista, escrito por Caleb Carr. Lançada em 1994, a obra mistura ficção com personagens reais famosos da sociedade americana da época, incluindo Theodore Roosevelt e J.P. Morgan. O enredo se passa na Nova York de 1896 e acompanha o trabalho do Dr. Laszlo Kreizler, o alienista, John Moore, um ilustrador de jornais, Sara Howard, a primeira mulher a trabalhar em uma delegacia como secretária, os gêmeos Marcus e Lucius Isaacson, detetives com métodos inovadores de investigação forense e Roosevelt, ainda um comissário da polícia. “Alienista” era como se chamava, antigamente, o médico que tratava pessoas com doenças mentais, os “alienados”.

Trio de personagens principais
Trio de personagens principais

Eu ainda não li o livro, mas assisti os dez episódios que compõem a primeira temporada dessa série com curiosidade, pois já haviam comentado comigo que são citados vários casos reais e feitas referências interessantes ao longo da história. O nome de Jack, o Estripador, por exemplo, aparece em alguns dos episódios – a série se passa oito anos depois de seus assassinatos. Achei um post muito bom que fala sobre esse aspecto da mistura da história ficcional da série com os casos verdadeiros no site O Aprendiz Verde:

De Jack, o Estripador ao vovô canibal Albert Fish. Das entrevistas com serial killers conduzida pelo FBI nos anos 1970 ao perfil criminal. Do mutilador soviético Andrei Chikatilo ao palhaço assassino americano John Wayne Gacy. Sim, talvez você fique assustado com tantas similaridades com o nosso mundo real.

Panorama da cidade
Panorama da cidade

Recomendo que essa análise seja vista depois lido o livro e/ou assistir a série. Já a minha perspectiva é livre de spoilers (a não ser que você tenha realmente pavor de qualquer tipo de informação prévia) e está mais focada na Nova York da década de 1890 mostrada em todos os episódios.

Aliás, devo dizer que, apesar de a trama se passar na cidade americana, nenhuma cena foi filmada lá: a produção se concentrou em Budapeste, capital da Hungria. A Metropolitan Ervin Szabó Library, por exemplo, foi utilizada para representar o famoso restaurante nova iorquino Delmonico’s. Já para as cenas externas, um set de filmagem foi construído do zero em estúdio. Algumas tomadas também foram feitas em ruas reais de Budapeste.

Diferenças de classes sociais
Diferenças de classes sociais

O que mais me impressionou foi a qualidade da produção da série, que mostra Nova York como uma cidade com alto índice de criminalidade e grande contraste entre a vida das pessoas da alta sociedade com a realidade de grande parte da população nas ruas, prostíbulos e guetos. Embora não seja o tema central, não há como não se sensibilizar pelas condições em que viviam os pobres, negros e imigrantes da época. Também gostei bastante da fotografia trabalhada com luzes e sombras, destacando a sujeira dos ambientes e aumentando o clima de suspense. Além da estética, acho interessante observar o belo trabalho de reconstrução da época, inclusive em detalhes que mostram os objetos utilizados no cotidiano das casas, a importância do jornal impresso, os meios de transporte, as roupas e costumes, a evolução da investigação policial e tantos outros aspectos históricos muitas vezes simplórios como, por exemplo, a técnica utilizada para a limpeza das ruas da cidade, como as carnes ficavam expostas sem muita higiene ou a fascinação do público com as primeiras exibições de filmes nos cinemas.

Estátua da Liberdade em construção
Estátua da Liberdade em construção

A importância de Nova York para a série é mostrada já na abertura, na qual é possível ver a construção de alguns de seus pontos mais famosos sendo mostrados de trás para frente, o que revela as suas estruturas internas. É possível fazer uma analogia das imagens com o tema tratado, já que se trata de uma investigação do psicológico não apenas do assassino, mas de todos os personagens. Durante os créditos, é possível ver a Estátua da Liberdade, um transporte com passagem de nível elevado em relação à rua, uma ponte sobre o East River e um prédio arranha-céu da época. Em 1896, Manhattan, Brooklyn, Queens, Bronx e Staten Island ainda não haviam se consolidado como a grande Nova York.

Williamsburg Bridge
Williamsburg Bridge

O tom da série é dado já na primeira cena, que se passa em uma Williamsburg Bridge ainda em construção. A obra foi projetada pelo arquiteto Henry Hombostel e o engenheiro Leffert Buck, atravessa o East River e liga a parte sul de Manhattan a Williamsburg, no Brooklyn, e começou a ser feita em 1896. Naquele tempo, era a mais extensa ponte suspensa do mundo, com mais de 300 metros de comprimento. A designer de produção Mara LePere-Schloop consultou os desenhos originais do projeto da ponte e fotografias antigas para a reconstrução o mais fiel possível. Para as filmagens, a estrutura foi mantida a uma altura de 15 metros para recriar o movimento causado pelo vento na ponte real.

Bellevue Hospital
Bellevue Hospital

O Bellevue Hospital está em funcionamento desde 1736, embora estivesse localizado, originalmente, mais próximo da City Hall. O edifício foi construído com o objetivo de abrigar pacientes em quarentena e é um dos mais antigos hospitais públicos da cidade. O portão, que foi recriado para a série, ainda existe no local, mas os prédios foram substituídos ou incorporados a novas estruturas. Atualmente, o hospital funciona na 1st Avenue, entre as 26th e 28th Streets. Em 2014, o primeiro paciente diagnosticado com ebola em Nova York foi colocado lá, em quarentena.

Casa do personagem principal
Casa do personagem principal

A casa do personagem principal, o alienista Dr. Kreizler, aparece no livro em um endereço inexistente na vida real, mas que ficaria próximo à Stuyvesant Square, a uma caminhada de distância do Bellevue Hospital. Apesar de ficcional, o local foi criado detalhadamente de acordo com a época e com toques luxuosos. A janela de vitrais, por exemplo, demorou três meses para ficar pronta, tendo utilizado chumbo real e cores escolhidas a dedo. Também são vistos diversos objetos usados antigamente, o que torna o ambiente muito interessante.

Sede da polícia
Sede da polícia

A sede da polícia localizada na 300 Mulberry Street não era muito bem vista década de 1890, sendo considerada um centro de disseminação de corrupção, preguiça e desprezo por todas as condutas da instituição. O prédio foi utilizado entre os anos de 1862 e 1909, quando a sede mudou para um prédio nas ruas Broome e Centre – também muito mostrada em filmes. A estrutura mostrada na série foi derrubada e em seu lugar foram construídos prédios de apartamentos e garagem.

O Washington Square Park atualmente possui como background um grande prédio de apartamentos, mas é retratada na série tomada por casas. Essa área era ocupada por pessoas com dinheiro, mas a alta sociedade já estava se mudando mais para o norte da cidade, onde construíam novas mansões. Ainda hoje, é possível ver os prédios com tijolinhos na fachada em frente à praça.

Lower East Side
Lower East Side

As cenas que se passam no Lower East Side de Manhattan foram gravadas em cenários construídos nos estúdios de Budapeste. Uma das coisas que eu acho mais impressionantes no audiovisual é como as imagens e sons conseguem te transportar para outro lugar, outra era. Talvez este tenha sido o aspecto que mais me agradou na série, pois eu consegui me sentir na Nova York de mais de um século atrás (que eu não conheci, mas já considero pacas).

Um dos destaques dessa época que também aparece na série eram as casas de banho públicas. O saneamento básico era pouco comum nas áreas mais pobres da cidade e, quando existiam, os encanamentos apodrecidos faziam com que seu consumo fosse desagradável e pouco saudável. Com isso, existia pouca estrutura para se tomar banho e esse tipo de estabelecimento funcionava, principalmente, durante os meses quentes do verão.

Metropolitan Opera House
Metropolitan Opera House

Pertencentes à alta sociedade, os personagens vão assistir a uma performance no Metropolitan Opera House, onde observam e apontam algumas das figuras ilustres reais de Nova York como o banqueiro J.P. Morgan e o prefeito William Lafayette Strong. O grande teatro era, originalmente, localizado próximo à Times Square, na 39th com Broadway. Os fundadores do Met Opera faziam parte da nova elite local, que incluía os Vanderbilts e os Roosevelts, entre outros. Essas famílias não tinham acesso a outra casa de shows chamada The Academy of Music, que só era frequentada pelas famílias originais da alta classe. Como a parte sul de Manhattan estava ficando menos prestigiada e os novos industrialistas queriam uma casa de ópera mais próxima de suas mansões, foi construído o Metropolitan. Eventualmente, o teatro mudou-se para o Lincoln Center. Para as cenas, foi utilizada como locação a Hungarian State Opera House de Budapeste.

Delmonico's
Delmonico’s

Inaugurado em 1827, o Delmonico’s foi o primeiro restaurante a la carte de Nova York. No ano em que se passa a série, além do original, que ficava na 23 William Street, já havia outra unidade no encontro da 5th Avenue com 26th Street. Esse último é o local mostrado na cena, já que é uma sequência de jantar logo após a ópera, que ficava próximo. Com culinária francesa, salas privativas, mesas cobertas com tecidos e um menu criado pelo chef Charles Ranhofer, o Delmonico’s oferecia uma refinada e extravagante experiência gastronômica. Alguns dos seus pratos mais famosos, como o Lobster Termidor e o Baked Alaska, são mostrados em cena. Tendo trocado de proprietários e lugares diversas vezes, o atual Delmonico’s da 56 Beaver Street não possui nenhuma ligação com os donos originais do empreendimento. Ali são servidos, entretanto, vários pratos que lembram o antigo restaurante.

Paresis Hall
Paresis Hall

Em meio às cenas de decadência de O Alienista, vemos algumas que se passam no Paresis Hall, um bordel onde trabalham garotos e que realmente existiu na Nova York de 1890. O local ficava na Bowery, ao sul do Cooper Union, e era comandado por um gangster chamado Biff Ellison, que fazia parte da Five Points Gang. A palavra paresis é um termo usado para os insanos e que foi derivada de casos de sífilis de longa duração. Apesar de ser mostrado de forma um tanto sinistra, o Paresis Hall real era um local aprazível, considerado um porto seguro e de encontro para jovens homens explorarem a sua identidade sexual.

Fort Clinton
Fort Clinton

Um dos locais que eu reconheci imediatamente foi o Castle Clinton, que funcionava como a primeira estação de imigração para as pessoas que chegavam ao país, antes da Ellis Island. Isso porque o forte, originalmente, ficava cercado de água – ele foi incorporado a Manhattan devido ao aterramento da área. Em 1896, ano em que se passa a história da série, a estrutura foi convertida em um aquário – há referências verbais e visuais para o fato, o que demonstra a preocupação com esses elementos históricos. Atualmente, a construção de pedra é um monumento que faz parte do Battery Park, localizado no extremo sul de Manhattan, e serve como bilheteria para o Statue Cruises, a balsa que leva os turistas até a Estátua da Liberdade e a Ellis Island.

Central Park
Central Park

Outro lugar fácil de identificar é o Central Park, provavelmente o lugar que eu mais visitei nas vezes que eu fui na cidade e certamente é um dos meus preferidos. A tomada que serve para que o espectador saiba onde se passa a cena mostra The Dakota Apartments, cuja construção foi finalizada em 1884. O local é famoso por ter servido como moradia para John Lennon entre os anos de 1973 e 1980, quando eu ele foi assassinado saindo de casa. A fachada também aparece no filme O Bebê de Rosemary, dirigido por Roman Polanski em 1968.

Brubacher's Wine Garden
Brubacher’s Wine Garden

Outra local real que aparece na trama é o Brubacher’s Wine Garden, que ficava junto à Union Square. Parte da fama do local se deve à teoria dos condutores dos bondinhos de que a curva da Broadway para a praça deveria ser sempre feita em velocidade máxima. Com isso, surgiu no local o costume de apostar a vida dos pedestres desavisados. Seja como for, o estabelecimento também atraía a clientela devido à sua formidável carta de vinhos.

Harvard Club
Harvard Club

Embora tenha sido fundado em 1865, apenas em 1894 o Harvard Club passou a ter uma locação permanente. No ano mostrado na série, ele já estaria devidamente estabelecido na 44th Street, próximo à Grand Central Station. Atualmente, essa rua é tomada por vários clubes privados, seja de universidades ou de outra natureza, como o New York Yatch Club. O arquiteto Chales F. McKim, graduado ele mesmo pela universidade em 1867 e membro da famosa firma McKim, Mead & White, projetou o prédio sem cobrar nada por isso.

Foto de caso real
Foto de caso real

Além dos exemplos citados, são mostrados outros lugares diversos de Nova York e também viagens a comunidades próximas. Mais do que uma série de suspense, trata-se de uma história de ficção interessante para quem tem curiosidade sobre a evolução das investigações policiais, a psicologia por trás de mentes perturbadas, crimes de assassinos em série, costumes de época, críticas sociais e outras tantas nuances que podem passar despercebidas pelo espectador menos atento.

The Angel of Darkness

Como se pode perceber, trata-se de uma série muito bem produzida, com ótimos atores e uma história intrigante. Embora não tenha me conquistado totalmente por perder um pouco do ritmo ao decorrer dos dez episódios, confesso que estou ansioso para assistir a continuação, que se chamará O Anjo das Trevas, seguindo o título do livro que dá sequência à história. O original, em inglês, é The Angel of Darkness e foi lançado em 1997.

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