Conheça a história de Nápoles

Nápoles – Senta que lá vem história

Embora existam outras cidades mais procuradas pelos turistas que visitam a Itália, muitos também passam por Nápoles, seja para aproveitar os próprios atrativos da cidade, para usar o local como base em passeios bate e volta próximos ou somente como ponto de entrada na região. Mas ela possui quase três mil anos de história, ao longo dos quais foi parte de diferentes impérios e passou por muitas transformações, sendo muito interessante uma visita mais prolongada. Fica impossível contar tudo em texto curto, então vou focar nas fases principais e algumas construções e monumentos mais emblemáticos.

Fontana di Spina Corona
Fontana di Spina Corona

A área foi habitada desde o período neolítico e chegou a abrigar uma comunidade da civilização micênica há milhares de anos atrás. Por volta de 800 a.C., começou a ser novamente ocupada por gregos com a criação, na ilhota de Megáride, de uma colônia chamada Parthenope. O nome pode ser traduzido como olhos puros, rosto de menina, virgem e outras expressões relacionadas a inocência. Na mitologia grega, era uma sirene e a Fontana di Spina Corona representa a entidade em suas formas originais, com asas e patas de pássaros.

Viagem de Odisseu
Viagem de Odisseu

Conta a tradição que Partenope foi uma formosa jovem que, embora tivesse se apaixonado, não quis romper o voto de castidade, cortou seu cabelo e partiu para a península italiana, sendo convertida em sereia por Afrodite. Quando Odisseu passou por ali de barco, regressando da Guerra de Tróia, ordenou que seus marinheiros tapassem os ouvidos com cera para não ouvir os cantos. Já ele se amarrou ao mastro e pôde desfrutar da música sem nenhum perigo. Após morrer, o corpo da sereia foi levado pelo mar até a praia, onde foi sepultada. Posteriormente, um templo foi erguido em frente ao seu túmulo e, nesse local, surgiu a  comunidade.

Castel dell'Ovo
Castel dell’Ovo

Após um período de abandono, ela seria refundada como Neápolis. Embora tenha passado para o domínio romano, mantiveram-se as línguas e costumes gregos. Ali foi construído, no século I a.C., o Castel dell’Ovo, a mais antiga das fortalezas da comunidade. A região se expandiu com vilas, aquedutos e banhos públicos, além de se destacar na área da educação. O poeta clássico Públio Virgílio, autor do épico Eneida fez parte de seus estudos na cidade.

Vesúvio visto de Ercolano
Vesúvio visto de Ercolano

A região também era destino de viagem de diversos imperadores romanos, além de pessoas mais abastadas. Isso pode ser observado nas ruínas de Ercolano, que contava com casas grandes de veraneio com acesso ao mar. Juntamente com Pompeia, a cidade foi destruída pela última grande erupção do Monte Vesúvio, que soterrou as comunidades com cinzas e matou centenas de pessoas no ano de 79 d.C.

Vesúvio visto a partir de Pompeia
Vesúvio visto a partir de Pompeia

Após o declínio do Império Romano no ocidente, Nápoles foi disputada por povos germânicos e bizantinos, que se alternaram na conquista do território. Séculos depois, foi criado o ducado sob suserania papal e lealdade a Roma, em 763 d.C. A independência completa seria conquistada no início do século IX, mas os conflitos se arrastaram por anos e anos com invasões dos normandos, até ser criado o Reino da Sicília, em 1137, que teve Palermo como capital.

Castel Nuovo
Castel Nuovo

Em 1266, o rei mudou o comando para Nápoles, onde passaria a ocupar o Castel Nuovo, assim chamado para se diferenciar do Castel dell’Ovo e do Castel Capuano. A enorme fortaleza foi construída entre 1279 e 1284 seguindo os desejos de Charles I de Anjou, que lançou um grande plano de readequação urbana da cidade e da área portuária, com arquitetos e operários franceses, para o Reinado de Nápoles. Apenas uma parte da estrutura original do castelo foi mantida, já que mudanças foram feitas nos séculos seguintes.

Cattedrale di Santa Maria Assunta
Cattedrale di Santa Maria Assunta

Também foi ideia dele a construção da Cattedrale di Santa Maria Assunta, cujas obras só se iniciariam sob o reinado de seu filho, Carlos II de Anjou, em 1313. Ele também acabou morrendo antes da conclusão. Remodelada por vários arquitetos que vieram depois, a igreja possui estilos diversos. Ao gótico original se soma o barroco e o renascentista. Nápoles acabou se tornou um centro importante do renascimento com a chegada de artistas como Laurana, Messina, Sannazzaro e Poliziano. Outros templos religiosos que visitei foram a Basilica di Santa Chiara e a Chiesa di Santa Maria La Nova.

Arcos do castelo
Castel Sant’Elmo

Na área militar, destaca-se o Castel Sant’Elmo, cujos primeiros registros datam de 1275. Originalmente, funcionava como uma residência fortificada e cercada por muralhas. Destacam-se os dois canhões junto à rampa que dá acesso à entrada. A estrutura foi expandida para funcionar como um dos fortes para defesa da região contra invasores, além da repressão de revoltas locais. Em 1503, a cidade se tornou parte do Império Espanhol. Um dos seus enviados, Pedro Álvarez de Toledo, foi o responsável por consideráveis reformas sociais, econômicas e urbanas.

Quartieri Spagnoli
Quartieri Spagnoli

No século seguinte, Nápoles já era a segunda maior cidade da Europa, com cerca de 250 mil habitantes, ficando atrás apenas de Paris. Descendo pela colina em frente ao castelo, foram sendo feitas casas para abrigar os militares espanhóis, que tinham como principal função conter as eventuais revoltas populares. Mas também ficavam ali soldados, que passavam em direção a outros locais de conflitos, e pessoas vindas da zona rural, que se instalavam na capital do reino em busca de melhores condições de vida. Desde a criação dos Quartieri Spagnoli, devido à alta concentração de moradores permanentes e temporários, a área foi tomada pela criminalidade, jogos de azar e prostituição.

Jardim com cerâmicas coloridas
Chiostro di Santa Chiara

Nos séculos seguintes, a presença militar foi diminuindo progressivamente e aumentou o setor de serviços, incluindo artesãos, alfaiates e sapateiros. O fervilhante centro cultural contava com nomes do barroco como Caravaggio, Salvator Rosa e Bernini, os filósofos Tommaso Campanella e Giambattista Vico, e escritores como Giambatista Marino. Em 1656, uma epidemia de peste bubônica matou metade da população, já na faixa dos 300 mil habitantes.

Certosa e Museo di San Martino
Certosa e Museo di San Martino

Os efeitos da Revolução Francesa foram sentidos em Nápoles, causando uma guerra civil entre os que apoiavam a monarquia e os que queriam instalar uma república. Eventualmente, as forças libertadoras venceram, mas um exército religioso contra-revolucionário logo defendeu a coroa e seguiram-se anos de troca de poder, incluindo a conquista do reino por Napoleão Bonaparte. A Certosa e Museo di San Martino, que funciona em um antigo monastério inaugurado no ano de 1368, mas que chegou à sua forma atual em 1623, foi um dos palcos da guerra. Em 1799, os franceses forçaram os monges a fugir e tentativas de reestabelecer suas funções originais falharam ao longo das décadas seguintes.

Galleria Umberto I de Nápoles, na Itália.
Galleria Umberto I

Em 1815, os reinos de Nápoles e Sicília se combinaram. Era uma época com saúde pública precária e muitas epidemias de cólera e febre tifoide matando dezenas de milhares de habitantes. Em resposta, o governo promoveu uma transformação radical na cidade, melhorando a infraestrutura da rede de esgoto, abrindo avenidas largas e arejadas, deslocando as populações e outras providências diversas. A realização do projeto foi limitada por questões políticas e econômicas, mas alguns resultados foram alcançados, como a criação da Galleria Umberto I. Em 1861, a Itália foi unificada e o norte do país passou a se desenvolver mais rapidamente que a parte sul.

Parte interna sem grandes adereços
Basilica di Santa Chiara

A primeira metade do século XX foi marcada por grandes conflitos em escala global e Nápoles foi a cidade italiana mais bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial. A população se rebelou contra a ocupação militar alemã, mas os soldados que partiram após a libertação, em 1943, queimaram instituições e deixaram bombas-relógio plantadas que explodiram por mais de mês. O símbolo da reconstrução napolitana foi a Basilica di Santa Chiara, que retornou às suas formas originais em estilo gótico após ser totalmente destruída em um bombardeio americano.

Vista da baía
Golfo de Nápoles

Nas décadas seguintes, o governo italiano ofereceu financiamentos que ajudaram a alavancar a economia, mas a cidade seguiu enfrentando problemas de desemprego, crime organizado, contaminação ambiental, descarte de lixo, escândalos de corrupção e outros. Apesar disso, Nápoles possui um dos maiores e mais ativos portos do Mar Mediterrâneo. Além do comércio, destaca-se também o transporte de passageiros, com milhões de pessoas fazendo viagens marítimas para as ilhas de Capri e Ischia, além de destinos como Sorrento, Positano e Amalfi. Serviços também estão disponíveis para pontos mais distantes.

Rua do centro histórico
Rua do centro histórico

Após algumas décadas de crise no setor, a cidade tem se tornado um dos principais destinos do país para turistas nacionais e internacionais, recebendo milhões de visitantes todos os anos. Com a importância do turismo aumentando na economia local, é possível que ocorra o mesmo processo de gentrificação visto em Veneza e Florença, quando ficou muito caro para a população local se manter na região do centro histórico. Seria uma pena, já que uma das coisas que mais me chamou a atenção no local foi poder ver como é o dia a dia dos moradores, com um clima caótico nas ruelas, pequenos carros e motocas passando, prédios com roupas no varal e uma mistura de moradores antigos e jovens universitários.

Subida do morro
Funicolare Centrale

Também usei bastante o transporte público, incluindo funiculares para subir os montes, metrôs com estações bem decoradas e trens de alta velocidade que, desde 2007, permitem fazer o trajeto entre Nápoles e Roma em menos de uma hora. A região também tem uma culinária interessante. Entre outros pratos, recebe os créditos para a criação de nada menos que as pizzas. Originalmente uma comida para os mais pobres, ela acabou rompendo barreiras e chegando aos restaurantes mais sofisticados. A margherita, por exemplo, recebeu esse nome após ser preparada para a Rainha Margherita de Savoy.

A amiga genial
A amiga genial

Além de visitar a cidade, uma boa forma de conhecer sua história da leitura de livros. Quando eu estava programando a minha viagem, comecei a ler os quatro livros da série napolitana, escrita por Elena Ferrante. Foi ali que fiquei sabendo, por exemplo, sobre a linguagem usada na região, considerada distinta do italiano; as profundas questões sociais que atravessaram gerações; as conturbações políticas; e eventos importantes que se passaram nas últimas décadas, mas têm raízes bem mais profundas e antigas.

Compre o livro A amiga genial

O conjunto conta com os títulos: A amiga genial (2011); História do novo sobrenome (2012); História de quem foge e quem fica (2013); e História da menina perdida (2014) – considerando as datas da primeira publicação no país de origem. Apesar de ser dividia em quatro volumes, a história pode ser lida como um romance único. O enredo gira em torno da amizade e os conflitos na vida de duas personagens principais, que se conhecem quando crianças e passam por uma relação conturbada ao até a velhice.

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