Durante os meus passeios no Parque Nacional Serra da Capivara, fiquei bastante impressionado com a quantidade pinturas rupestres que representam cenas de caça, sexo, dança, parto e outras. É um número absurdo de sítios arqueológicos, com mais de cem deles preparados para a visitação pública. Também percorri com bastante atenção o Museu do Homem Americano e o Museu da Natureza, que trazem explicações sobre os achados e suas implicações históricas.

O que não vi com o destaque que merece foi uma exposição sobre Niède Guidon. Nascida em 1933 no interior paulista, a arqueóloga franco-brasileira é conhecida mundialmente pelos seus trabalhos na região, a defesa de uma teoria que revoluciona o processo de povoamento do continente americano, a luta pela preservação do parque e preocupações sobre o desenvolvimento da comunidade local.

A pesquisadora se formou em história natural pela Universidade de São Paulo, em 1959. Devido à sua descendência francesa por parte de pai, partiu para uma especialização em arqueologia pré-histórica na Universidade Paris-Sorbonne, em 1962. De volta ao país, no ano seguinte, organizou uma exposição sobre pinturas rupestres brasileiras para o Museu do Ipiranga e ficou sabendo, em conversa informal com uma visitante piauiense, da existência de desenhos semelhantes no interior do nordeste.

No início da ditadura militar, saiu novamente do país e solicitou a nacionalidade francesa. Enquanto trabalhava como professora em Paris, integrou uma pesquisa sobre índios goianos e aproveitou a viagem para visitar o Piauí, em 1970. Após fotografar os sítios arqueológicos, voltou para a França com o material coletado e, três anos depois, recebeu o apoio de instituições de pesquisa do país para organizar uma missão científica na Serra da Capivara.

Cinco anos depois, passou seis meses ininterruptos de férias prêmio no estado e conseguiu reunir resultados tão impactantes que a França criou uma missão permanente no local. No ano seguinte, o Brasil fundou oficialmente o Parque Nacional Serra da Capivara, com cem mil hectares de área. Já em 1986, pesquisadores da cooperação científica entre os dois países criaram a Fundação Museu do Homem Americano, presidida por ela. Em 1992, se mudou definitivamente para São Raimundo Nonato.

A teoria da chegada dos homens no continente americano mais aceita, até então, havia sido formulada na década de 1950 e afirmava que a ocupação teria tido início no norte, há cerca de quinze mil anos. Dali teriam descido progressivamente e chegado ao sul há uns onze mil anos. Em 1978, foram encontradas amostras de carvão e ferramentas de pedra lascada no parque datadas de quarenta e cinco mil anos. Estudos posteriores, com técnicas mais avançadas, revelaram datas ainda mais antigas.

Os antropólogos americanos colocaram em dúvida essa perspectiva, mas evidências continuam sendo encontradas, tanto nessa área quanto em outras partes do mundo. Niède Guidon defende que os homens chegaram aqui quando o planeta ainda passava pelos os efeitos da glaciação, há cerca de cem mil anos. Como o mar estava bem abaixo do nível atual, havia mais plataformas e ilhas entre o continente africano e a costa brasileira. Além disso, os continentes são ligados por correntes marítimas que favoreceriam deslocamentos. Ao alcançar a costa brasileira, teriam penetrado para o interior seguindo o curso de grandes rios.

Nesses tempos, a região era coberta por uma vegetação exuberante e fauna rica, propícias para o surgimento de assentamentos, com desenvolvimento e aumento das populações. Com a diminuição das chuvas, o clima semiárido transformou o cenário e acabou com a mega fauna, mas não inviabilizou a sobrevivência humana, que tinha como fonte de alimentação espécies de pequeno porte. O esqueleto mais antigo data de quase dez mil anos e possui um crânio masculino, oval e alongado, semelhante ao tipo africano, enquanto os que chegaram pelo norte do continente seriam asiáticos. Conhecido como Crânio Zuzu, ele está exposto no museu.

Os estudos também tiveram forte impacto na vida da população local. Quando o parque foi criado, muitos tiveram que sair de onde moravam e mudar seu modo de vida. A região era muito pobre e o solo, salgado, raso e cheio de pedras, não é propício à agricultura. O modelo apoiado por Niède Guidon é considerado ideal por unir proteção à natureza, cultura e desenvolvimento econômico sustentável com benefícios para a população.

Várias iniciativas de trabalho já foram criadas, algumas com sucesso e outras descartadas pelo caminho. Um dos exemplos é a Cerâmica Serra da Capivara, que emprega dezenas de pessoas que passaram por cursos para produzir peças artesanais vendidas no país e no exterior. Uma Oficina de Camisetas, bonés, bolsas e outros acessórios também usa como tema as imagens das pinturas rupestres.

Também foram feitos cursos para condutores locais credenciados que acompanham os visitantes da Serra da Capivara. O parque, que ainda precisa concretizar seu potencial turístico, reune opções para quem tem curiosidade sobre a parte histórica e aqueles que buscam aventura em meio a natureza, com muitas trilhas entre as serras. Lugares semelhantes de outros países recebem milhões de visitantes de todo o mundo a cada ano, algo que não acontece por aqui.

A maior dificuldade aqui era o acesso, já que o aeroporto mais próximo ficava em Petrolina, no estado de Pernambuco, a cerca de trezentos quilômetros de distância. Agora já há voos regulares para o Aeroporto de São Raimundo Nonato, mas eles não acontecem todos os dias da semana. Recomendo pesquisar os voos para determinar qual é a melhor opção no seu caso. Se pegar um desses mais distantes, é possível seguir a viagem de ônibus ou contratar um transfer, mas essa não é a escolha mais interessante.

Eu fiz essa viagem em família e valeu a pena alugar um carro e seguir dirigindo até o local, já que o veículo pode ser usado também durante os passeios. Também não há como negar a carência de estrutura das cidades, incluindo o setor hoteleiro e gastronômico da região, tanto em São Raimundo Nonato, que é a maior, quanto em Coronel José Dias, que fica mais próxima de alguns dos pontos mais famosos.

Após quase cinco décadas de trabalho, Niède Guidon se aposentou aos 87 anos de idade, em 2020. Com problemas nas articulações e usando uma bengala para andar, ela já não consegue fazer as longas caminhadas pelo parque exigidas pelo trabalho. Mas as pesquisas continuam nas centenas de sítios arqueológicos, a maioria ainda fechados para o público geral. Enquanto isso, o que já podemos visitar é de um valor inestimável.