Evidências arqueológicas encontradas na região indicam que Chur (Coira, em português) tenha sido habitada em 3900-3500 a.C., um dos mais antigos assentamentos do país. Depois de ser dominado por diferentes culturas ao longo de milênios, o local foi conquistado pelo Império Romano, passando a ser conhecido como Raetia. Posteriormente, recebeu o nome de Curia Raetorum – o nome atual, em alemão, é pronunciado “curr”.
No século IV d.C., Chur tornou-se o primeiro bispado cristão ao norte dos Alpes. Nos próximos séculos, foi palco de diversas batalhas, mas voltou a se reerguer devido à sua localização estratégica, pois ali se encontram diversas estradas que passam por entre as montanhas e seguem o rio Reno. Aliás, foi algo relacionado ao transporte que me levou à cidade. Dali parte o trem do Bernina Express, passeio panorâmico que percorre os Alpes Suíços e segue em direção ao norte da Itália, parando em Tirano.

Cheguei a Chur de manhã e fui direto para o ibis Hotel para deixar minhas malas. A hospedagem ficava a cerca 2 km da estação de trem, mas eu peguei um ônibus e cheguei rapidinho. Tudo funciona muito bem na Suíça, inclusive o transporte público. Eu usava o Google Maps para consultar os trajetos e horários de partida, então foi muito fácil me locomover em todas as cidades do país.
Como eu passaria somente aquele dia na cidade, quis aproveitar para conhecer o centro histórico, ainda que o tempo estivesse um pouco chuvoso. Feito o check-in, parti em direção à Postplatz, que pode ser considerado um ponto central ideal para iniciar o passeio.

Essa pequena praça com uma fonte, que na verdade é mais uma calçada avantajada do que uma praça em si, fica na congruência (sempre quis usar essa palavra) de duas importantes ruas da cidade, a Bahnhofstrasse (rua da estação de trem) e a Grabenstrasse (rua do fosso). Essa última possui esse nome porque marca o local por onde passava a muralha que protegia a cidade antiga, ou seja, tinha um fosso ali. A Bahnhofstrasse se destaca por ter várias lojas grandonas dessas de departamento, constituindo a rua mais comercial da cidade – a partir desse ponto, ela passa a se chamar Poststrasse. Essa parte da cidade em volta da Postplatz parece ser mais moderna devido à largura das ruas, mas possui vários prédios antigos, incluindo o museu que eu visitei.

O Bündner Kunstmuseum, nome que pode ser traduzido como Museu de Belas Artes de Grisões, funciona na ostentosa Villa Planta, uma construção que serviu como residência no século XIX. Apesar de ter um estilo neorrenascentista, o edifício projetado pelo arquiteto Johannes Ludwig tem alguns toques exóticos. Isso porque seu proprietário à época, Jacques Ambrosius von Planta, um comerciante de algodão, viveu por muitos anos no Egito. Desde 1919, a casa abriga o museu. Em 2016, foi inaugurado um anexo que estendeu bastante sua área de exposições – a bilheteria e entrada do museu é feita por esse novo prédio, ligado ao antigo por uma passagem subterrânea. A coleção permanente foca, principalmente, nos artistas que nasceram ou moraram nessa região do país.

No século XVIII, o Fontanapark era uma resplandecente área verde com arbustos e plantas exóticas, fontes elaboradas e estufas aquecidas. Naquela época, era um jardim privado do diplomata enviado de Paris Peter von Salis-Soglio, que construiu, em 1727, sua casa com a grande área verde. O Altes Gebäu, como é conhecido, é um dos casarões mais bonitos de Chur. O nome atual do parque faz referência a Benedikt Fontana, que morreu como herói na Batalha de Calven, em 1499, durante a Guerra da Suábia. No parque está uma estátua criada pelo escultor Richard Kissling em homenagem a William Tell, cuja lenda é retratada em crônicas ilustradas suíças do século XV.

O centro histórico da cidade é repleto de ruas fechadas para o trânsito de carro, então você pode andar tranquilamente e ir reparando na fachada das construções, algumas mais modernas e outras datadas da Idade Média. Algumas delas são mais movimentadas, como a Postrasse, que é a continuação da Bahnhofstrasse, mais larga e com várias lojas. Em outras, a paisagem é dominada por construções centenárias muito bem conservadas e que rendem lindas fotos. Vale a pena andar por ali meio sem rumo, o que rende descobertas interessantes.
Apesar de não traçar uma rota específica, fui olhando no mapa à procura de praças, igrejas ou pontos específicos para visitar no centro histórico, já que eu tinha pouco tempo e seria impossível percorrer todas as ruas. Com isso cheguei até a Regierungsplatz, uma pequena e agradável praça. O espaço foi criado após um incêndio, em 1829, que queimou as 14 casas e estábulos que ficavam no local. Em vez de reconstruí-los, resolveram abrir a praça.

Na parte central encontra-se um obelisco de três lados que representa a união de três poderes: Gotteshausbund (Casa de Deus), Oberen oder Grauen Bund (Aliança Superior ou Cinza) e Zehngerichtebund (União dos 10 Juízos) – segundo o Google Tradutor. A paisagem local é dominada pelo Grauen Haus, que foi construído em 1752 e serviu como sede do governo do Estado Livre Rhaetian. Atualmente, hospeda outros órgãos do governo. Esse prédio também é chamado de Neues Gebäu (Edifício Novo) para distingui-lo do Altes Gebäu (Edifício Antigo), presente no Fontanapark.

A Reichsgasse é uma dessas ruas que te transportam para uma outra época, com suas casas em estilo medieval. O local, obviamente, é cheio de história. Ali os carros e cavalos de carga precisavam parar e descer com todas as mercadorias ao lado da prefeitura, pois passavam por uma inspeção. Um quarteirão antes do final dessa rua fica a antiga prefeitura da cidade.

O prédio da Stadtverwaltung Chur é facilmente identificável por suas portas e janelas de madeira pintadas em vermelho, branco e preto. A prefeitura, também acessível pela rua de traz, foi mencionada pela primeira vez em um documento da segunda metade do século XIV, mas foi, posteriormente, convertida em hospital. Esse e outros prédios foram destruídos em um incêndio em 1464 e, depois, reconstruídos. Embora o ano de 1525 possa ser lido acima de uma porta de entrada, a câmara do conselho foi completada antes, em 1494. Ao lado de uma das portas, a medida oficial para o pé (30 cm) está embutida na parede. Ainda hoje, uma parte da administração de Chur funciona nesse edifício, incluindo os arquivos da cidade.

As origens da Martinskirche remontam ao século VIII. A estrutura atual, entretanto, foi erguida após o grande incêndio de 1464, que destruiu a maior parte do prédio anterior. A alvenaria carolíngia original foi preservada nas pilastras e outras partes. A reconstrução foi realizada sob o comando do mestre austríaco Stefan Klain, cujo nome aparece acima do arco do coro junto à data de 1491. O grande destaque da fachada é a grande torre com sala de guarda e cúpula renascentista completada em 1534. Após permanecer inalterada por séculos, recebeu um complemento neogótico e janelas de arco acentuado, em 1889. A população não ficou satisfeita com as mudanças e buscaram uma nova solução, sendo mudada a parte superior para um telhado pontudo, em 1918.

No final da renovação, que incluiu reformas gerais da igreja, a nave recebeu vitrais de Augusto Giacometti. Você pode entrar na igreja gratuitamente. Como é uma igreja reformada, a decoração é bem simples, sem o uso de imagens. Vale a pena fazer a visita na parte interna, principalmente para ver os vitrais.

Seguindo pela Kirchgasse, beco lateral à igreja, é possível observar uma série de casas de importância histórica, construídas por volta 1580. Uma delas possui pintada em sua fachada uma cômica inversão da realidade, com coelhos capturando um caçador. Talvez a de maior importância seja a Antistitium, edifício que serviu como assento do pastor protestante desde o século XVI. Diz a lenda que Martin Lutero teria se hospedado ali quando viajou rumo a Roma. O caminho também leva à escadaria com a Hofturm no topo. Essa torre ainda abriga um bar medieval do início do século XVII em estilo gótico tardio.

Passando pelo portal da torre, entra-se no Bischöflicher Hof, que pode ser traduzido como “corte episcopal”. O espaço compreende um pátio, a catedral e outros prédios cercados por uma fortificação que a faz parecer uma pequena cidade medieval independente.

A Kathedrale St. Mariä Himmelfahrt ergue-se no ponto mais alto do pátio. Acredita-se que o primeiro edifício tenha sido construído ainda no século V. Já a estrutura atual foi construída entre 1154 e 1270. A parte mais trabalhada da fachada é a porta de entrada, flanqueada por seis colunas finas de cada lado, com detalhes da fase inicial do estilo gótico, ligadas por arcadas coloridas por pinturas. A janela acima do portal é, provavelmente, a maior janela medieval do Cantão dos Grisões.

Enquanto a Martinskirche se converteu para o protestantismo, a Catedral da cidade continuou fazendo parte da religião católica. A visita é gratuita e revela um interior diferente do que costumamos ver, pois o teto da nave principal é todo pintado de branco e com as estruturas de pedra aparente. As pinturas ficam nas laterais. Entre os destaques, está o altar-mor gótico tardio de Jakob Russ, os bancos esculpidos do coro e as esculturas românicas nas bases e capitais das colunas. A catedral foi amplamente restaurada entre 2001 e 2007. Além da visita interna, aproveitei para dar uma volta no cemitério que fica atrás da catedral.

Depois de visitar a catedral e o cemitério, passei pela parte de trás, de onde se tem uma bela vista geral da cidade e das montanhas ao fundo – é a foto de capa dessa postagem. Depois desci a ladeira da Hofstrasse, indo de novo em direção ao miolo do centro histórico. Ali passei na frente do Rätisches Museum, que funciona na mansão construída em 1675 por Paul von Boul zu Strass- und Rietberg. O museu foi inaugurado no ano de 1872 e conta com achados arqueológicos e exposições sobre poder, política, alimentação, trabalho, fé e conhecimento.

A partir dali eu segui o caminho de volta para a estação, pois já estávamos todos cansados. Ainda assim, resolvemos passar por umas ruas alternativas, o que se mostrou uma ótima decisão porque eram mais calmas e com várias fachadas interessantes, algumas cheias de pinturas antigas nas paredes. Também observei que várias construções possuíam placas explicando um pouco da história do local.

Já fora do centro histórico, segui pela Bahnhofstrasse em direção à estação central. Ali as ruas são mais largas e estão dominadas por grandes lojas, bancos e outros estabelecimentos. Abaixo está o mapa interativo dos pontos principais que visitei na cidade. Com certeza passei por alguns edifícios sem me dar conta de sua importância histórica, mas deu para sentir bem o clima da cidade e foi um passeio bastante proveitoso.
Deixei marcado no mapa mais ou menos o trajeto que fiz, mas recomendo que você fique livre para explorar outras partes do centro histórico, mesmo que não sejam exatamente pontos turísticos recomendados nos guias. A minha vontade era ter ficado mais um dia por lá para andar bem cada cantinho dessa região.