Título original: Heroin(e)
Ano: 2017
Direção: Elaine McMillion Sheldon
Elenco: Jan Rader, Patricia Keller e Necia Freeman.
A nossa postura diante da sociedade marginalizada é de fechar os olhos, subir as janelas dos carros, cruzar os braços. Não queremos lidar com pessoas drogadas, prostituídas ou sem condições financeiras de levar a mesma vida que temos. Agimos assim como se, ao ignorar os problemas, eles magicamente deixassem de existir, tirando de nós mesmos a responsabilidade de fazer algo a respeito. Esse filme trata de três mulheres que tentam fazer a diferença no local onde moram.

Huntington é uma cidade americana no estado de West Virginia, conhecida por ter uma média de overdoses dez vezes maior do que o restante do país. Para se ter uma ideia, o número de mortes chega a quase cem por ano – a cidade possui uma população que beira os 50.000 habitantes. Um dos grandes causadores desse número de mortes é o uso da heroína, droga de uso recreativo devido ao seu efeito eufórico.
Usada na medicina como analgésico ou terapia de substituição do ópio, a heroína foi sintetizada pela primeira vez por Charles Alder Wright, um químico britânico, em 1874, a partir da morfina, um produto natural derivado da papoila do ópio. O nome vem, provavelmente, do alemão heroisch, que indica a sensação observada pelos usuários durantes os estudos iniciais. A princípio, foi usada para tratamento de viciados em morfina e como sedativo da tosse em crianças, entre 1898 e 1910. Após esse período, foi descoberto que a heroína se convertia em morfina no fígado, ironicamente sendo até mais viciante do que a droga que se pretendia combater. Atualmente, é ilegal produzir, possuir ou comercializar a substância na maior parte dos países do mundo sem autorização. Ainda assim, estima-se que 1,6% da população dos Estados Unidos já tenha consumido heroína pelo menos uma vez na vida.
Heroína também é a palavra usada para descrever uma mulher admirada por sua coragem, realizações pessoais ou qualidades nobres, o que possibilita o trocadilho do título desse documentário em curta-metragem, tanto em inglês (heroin – heroine), quanto em português (heroína – heroínas). Durante os quase 40 minutos de duração, acompanhamos o dia a dia de três delas.

Jan Rader é chefe do corpo de bombeiros da cidade, em sua maioria homens. Em determinado momento do filme, ela lamenta o fato de passar pela cidade se lembrando dos casos que atendeu ao longo dos anos: nessa casa morreram duas pessoas, nesse lugar atendemos tal ocorrência. Seu trabalho envolve o atendimento às chamadas de casos de overdose, incluindo o de uma mulher desmaiada sobre o balcão de uma loja de conveniências enquanto os demais clientes continuam a passar seus produtos no caixa próximo, um exemplo daquilo que eu disse no início do texto.

Patricia Keller é a juíza responsável por tratar dos casos de abuso de drogas, realizando um trabalho não apenas de consequências legais, mas também de orientação e encaminhamento para tratamentos a longo prazo. Sua postura é dura, quando necessário, mas também carinhosa e preocupada com os viciados, aparecendo como uma figura maternal. A maioria das pessoas que fazem uso da droga acabam tendo recaídas, o que é bem demonstrado no filme, embora se opte pela abordagem positiva e esperançosa dos poucos casos de vitória.

Necia Freeman entrega comida para as mulheres que se prostituem nas ruas da cidade. Em certo ponto, ela questiona o fato dessas mulheres serem constantemente presas, sem que nada seja feito com relação aos seus clientes, homens. Mais do que a distribuição de alimentos, ela conhece as garotas que estão nas ruas, encaminhando-as a programas de reabilitação e servindo como suporte emocional para aquelas que tentam mudar de vida.
Apesar de sentir falta de uma investigação mais profunda sobre a motivação de tantas pessoas do local a buscar as drogas e como evitar que elas experimentem as substâncias, entendo que foi proposital focar em uma narrativa otimista sobre o tema, como um grito de esperança para a situação dramática da população da cidade. É realmente emocionante ver o trabalho dessas mulheres, realizado não por obrigação, mas pelo desejo pessoal de salvar vidas, ainda que os números sejam desanimadores e a experiência traga consequências para suas vidas pessoais. O documentário, indicado ao Oscar em 2018, está disponível no Netflix.