Título original: Trois couleurs – Blanc
Ano: 1994
Direção: Krzysztof Kieślowski
Elenco: Zbigniew Zamachowski, Julie Delpy, Janusz Gajos e Jerzy Stuhr.
Além das cores da bandeira francesa, também é possível associar os três filmes dessa trilogia aos valores de liberdade, igualdade e fraternidade, como indicam os títulos brasileiros. Mas seus temas são mais complexos e interessantes que isso, incluindo amores torturantes, voyeurismo e o medo dos homens para com as mulheres. Um aspecto recorrente parece ser a necessidade de jogar tudo para o alto, inclusive a própria identidade, e começar uma nova vida.

Nesse segundo filme, acompanhamos o divórcio de um cabeleireiro polonês e sua esposa francesa, a quem ele já não consegue satisfazer sexualmente. Nas cenas iniciais, ele aparece na corte perguntando ao juiz “onde está a igualdade aqui?” e se perde nos enormes interiores do Palais de Justice, refletindo a sua confusão mental. A estrutura, que serve como sede do poder jurídico, fica na Île de la Cité, uma porção de terra no leito do Rio Sena onde foi fundada a vila medieval que se tornaria a capital francesa.

As cenas do casamento foram filmadas na Église Saint-Vincent-de-Paul, construída em ritmo lento, entre 1824-44. As obras eram constantemente abandonadas e retomadas, principalmente devido à falta de financiamento. Nesse meio tempo, o projeto mudou bastante e passou a incluir duas torres, uma praça e rampas que facilitariam a chegada das carruagens puxadas a cavalo, hoje substituídas por jardins. Os momentos felizes entre os personagens logo são substituídos pela à crise do casamento.

Com apenas uma mala velha e seus diplomas após se separar, ele segue uma jornada simbólica para o que poderíamos chamar de “fundo do poço”, nesse caso representado pela estação de metrô da Place de Clichy. O nome da praça, que fica logo acima, veio da Barreira de Clichy, onde ficavam as portas de entrada para a cidade, cujas muralhas chegavam até ali – a escolha do lugar não é aleatória. O homem aparece ganhando alguns trocados fazendo música sentado no concreto, em um nível abaixo até mesmo das pessoas que passam pelo local.

Sem passaporte e com pouco dinheiro, ele viaja de volta para Varsóvia. Embora seja retratada no filme como um local desolado, o que é reforçado pela sua passagem por um vasto lixão tomado pela neve, ele parece feliz ao poder dizer “finalmente, em casa”. Naquela época, a Polônia deixava para trás o passado comunista e já existia o sentimento de que agora fazia parte, efetivamente, do continente europeu. Mas até que ponto isso era verdade? No filme, a comparação entre os dois países é constante, seja através de suas paisagens ou dos personagens e suas posições sociais.

É nesse sentido que o homem busca se dar bem na vida para ser digno de sua esposa francesa, buscando a igualdade que aparece no título. Obcecado com a mulher, ele traça um plano para tê-la de volta – ficar rico. Várias figuras de linguagem são utilizadas para mostrar a transição, como a troca do casaco surrado para um elegante terno. Mas o roteiro questiona seu sucesso ao mostrá-lo no alto de um edifício, em contraponto ao metrô embaixo da terra, novamente usando um pente para fazer música, como se sua condição inferior ainda assim não estivesse superada.

São vários momentos em que se pode identificar esse tipo de contraponto, o que combina com a abordagem irônica, com certo humor negro, que diferencia esse filme do primeiro, A liberdade é azul, e do terceiro, A fraternidade é vermelha. Embora suas histórias não sejam exatamente conectadas, vale a pena ver todos, já que há uma clara unidade na abordagem dos temas e também no fato de não mostrar as cidades de forma muito glamorosa. Pelo contrário, há sempre cenas de lugares sujos, fugindo do óbvio que seria fazer uma ambientação mostrando atrativos turísticos famosos.

Ao contrário de Paris e Genebra, que são o destino principal dos dois outros filmes e que eu já visitei em minhas viagens, eu não conheço a Varsóvia e também não é uma cidade com a qual temos muito contato com imagens na mídia. Por isso mesmo, não reconheci nenhum dos lugares mostrados, embora tenham sido feitas filmagens no aeroporto, em uma estação de metrô e ruas diversas.