Título original: Flugt
Ano: 2021
Direção: Jonas Poher Rasmussen
Esse documentário bastante profundo é sobre a luta pela sobrevivência, a necessidade de pertencimento, a busca de identidade e a superação de traumas. Acompanhamos a história de um refugiado afegão que precisou abandonar seu país de origem ainda criança, atravessando um doloroso e longo processo até se reestabelecer.

O desenho é utilizado para proteger a identidade dos personagens, mas também para dar vida a fatos do passado na vida particular do entrevistado que, em sua maior parte, não possuem nenhum tipo de registro. Trata-se de um amigo de longa data do diretor e as conversas entre eles são verdadeiras, enquanto outros personagens são dublados por atores. Nomes e locações também foram alterados para garantir o máximo de privacidade.

A trama tem início no Afeganistão, país com conflitos e perseguições políticas que impactam diretamente na vida da população. Para o personagem, as memórias felizes da infância e a conexão com a família nas décadas de 1980-90 são conflitantes com experiências traumáticas, como a perda do pai. Os anos que se seguiram à fuga também não são positivos, caracterizados por privações financeira e de liberdade.

A adolescência, passada na Rússia, por exemplo, foi marcada pelo medo e grande incerteza com relação ao futuro. Tecnicamente, achei a animação limitada – o movimento seria mais fluido e natural com a inserção de mais desenhos. Mas essa simplicidade acaba funcionando bem com o tema, deixando o visual mais seco. Além disso, são usados diferentes estilos, esquemas de cor, efeitos sonoros, proporções dos elementos em tela, foco nas expressões faciais e corporais e outros recursos para ressaltar a felicidade, o medo, o tédio e a claustrofobia, entre outros.

Outra força do documentário é a inserção de imagens reais de forma pontual, porém bastante contundente. Um exemplo é o campo de refugiados mostrado na Estônia, que funcionou ao mesmo tempo como um abrigo e uma prisão, em péssimas condições. Esse recurso ajuda a dar uma dimensão maior ao drama, mostrando que a história particular do personagem é apenas uma entre a de milhares de pessoas.

Já na Dinamarca, embora leve uma vida infinitamente melhor em termos de oportunidades de crescimento pessoal e profissional, o personagem parece não encontrar a felicidade que esperamos e até cobramos que sinta. Isso leva o espectador a refletir sobre a complexidade do que ele viveu. Muitas vezes, é difícil fugir do passado, o que te leva a se sentir sozinho, vulnerável e incapaz de seguir em frente.

Testemunhar uma pessoa enfrentando seus medos depois de tantos anos é extremamente tocante. De certo modo, a fuga não acaba quando alguém deixa para trás o seu país, a violência, a guerra. As feridas são muito profundas e, provavelmente, vão estar presentes para toda a vida. Como preencher esses espaços com alegria, aceitação e amor? É uma pergunta que o documentário parece fazer, constantemente, não importa de onde você veio, para onde vai ou quais foram seus traumas particulares.