Embora Os Doze Profetas sejam o atrativo mais famoso do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, um outro valioso conjunto de obras pode ser apreciado nas capelas dispostas ao longo do jardim que leva até a basílica. Essas esculturas em madeira podem passar despercebidas por muitos visitantes, já que é preciso chegar o rosto bem próximo das aberturas nas portas e janelas para vê-las. São seis passos da Via Crucis, uma delas contendo mais de uma cena.

É interessante notar que a concepção atual de autoria artística como expressão individual não se aplica nesses casos. Na verdade, embora fossem reconhecidos por suas habilidades técnicas e criatividade, mestres como Aleijadinho e Ataíde produziam suas obras, em geral, de forma coletiva, no interior de oficinas que envolviam o trabalho de vários oficiais, aprendizes e escravos. O fato é atestado por documentos e recibos de pagamentos. Assim, as criações atribuídas a eles trazem consigo as marcas do trabalho de vários homens, em um esforço coletivo.

O primeiro passo representa a Santa Ceia, momento em que Jesus está sentado junto a seus apóstolos e compartilha o pão, que segura com a mão esquerda, e faz um gesto de benção com a mão direita. Mas outro momento também aparece, de maneira mais sutil. A gesticulação e as feições de surpresa e interrogação nos rostos sugerem o momento em que Jesus anuncia que um dos presentes irá lhe trair. Judas permanece sentado na extremidade da mesa, com uma bolsa de moedas e a cabeça abaixada, sendo observado por uma figura a seu lado.

O Passo do Horto, localizado à esquerda do anterior, representa a agonia de Cristo no Monte das Oliveiras. Ele aparece em posição de súplica e um anjo na parte superior segura um cálice de na mão direita, em alusão ao iminente sofrimento. As demais pessoas são os apóstolos Tiago e João, que dormem no chão, enquanto Pedro tem a feição tensa e a cabeça tombada, também sendo vencido pelo sono.

A Prisão no Horto vem na sequência e retrata um episódio bastante popular da história. Após os soldados decretarem a prisão de Jesus, um dos guardas que tentava se aproximar é derrubado e tem sua orelha decepada por São Pedro. Jesus ordena que o apóstolo guarde sua espada e se dirige à vítima. Malco, que está de joelhos, é curado. Presenciam a cena Judas e quatro soldados romanos armados e com lanternas, preparados para intervir.

No quarto passo estão reunidas duas cenas que, no plano original, deveriam ocupar capelas distintas. De um lado, aparece a Flagelação de Cristo, um processo usual na condenação por crucificação no direito romano que envolve agressões físicas e verbais. Jesus aparece com as mãos atadas pela corda presa a uma coluna baixa. São cinco soldados, sendo que dois açoitam seu corpo e um segura a sua túnica.

A outra é a Coroação de Espinhos, quando galhos secos entrelaçados e cheios de espinho foram utilizados como instrumento de tortura. Cristo está sentado sobre pedras, com um manto nos ombros, rodeado por soldados. Em deles segura uma cana verde e outro um pergaminho com a inscrição INRI, que significa “Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus”. Interessante observar que aparece na capela o escrito ecce homo (eis o homem), que não tem relação com nenhuma das duas passagens. As palavras teriam sido ditas por Pôncio Pilatos ao apresentar Cristo aos judeus.

Na penúltima capela, encontra-se a Subida ao Calvário, com Cristo carregando a cruz nas costas. Atrás dele, uma mulher de Jerusalém chora ao acompanhar o cortejo. Destaca-se o arauto que toca a trombeta e o soldado que segura um estandarte com a inscrição SPQR (Senatus Populusque Romanus), ou Senado e o Povo Romano, usada pelo governo da antiga República Romana.

Por fim, temos um espaço com três ações distintas da Crucificação de Cristo. Ele aparece na parte central, sendo pregado à cruz por dois carrascos, enquanto Madalena está ajoelhada ao lado, com olhar de súplica para o alto. À esquerda, dois soldados disputam a sua túnica em um jogo de dados, em alusão ao Evangelho de São João que diz “repartiram minhas vestes entre si e sobre minha túnica lançaram sortes”. Por fim, há Gestas (o mau ladrão) e Dimas (o bom ladrão), que esperam, de mãos atadas, o momento da própria crucificação.
Outro local que vale a visita: As Capelas dos Passos de Cristo… é sensacional.. não só pela arte ali constituída mas por todo o contexto religioso e social quando de sua construção no transcorrer do século XIX.
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