Episódios: 8
Ano: 2020
Elenco: Daniela Santiago, Isabel Torres, Jeded Sánchez, Lola Rodríguez, Paca la Piraña, Desirée Rodríguez, Israel Elejalde e Lola Dueñas.
Lançada em 2020, essa série televisiva de oito capítulos é focada na vida de uma das mais famosas e polêmicas mulheres da Espanha. Cristina Ortiz Rodríguez, mais conhecida pelo seu codinome La Veneno, se destacou como personalidade televisiva cheia de sensualidade e sem papas nas línguas, falando abertamente sobre sua vida pessoal, ainda que de uma forma fantasiosa que tenha gerado muitas dúvidas sobre a sua genuinidade. O enredo se baseia na biografia ¡Digo! Ni puta ni santa,escrito por Valeria Vegas e lançado em 2016.

A trama tem início quando a então estudante de jornalismo e futura autora do livro conhece Veneno. As infâncias e adolescências de ambas, embora separadas por décadas, tiveram em comum o processo de descobrimento da identidade de gênero: ao nascer, elas receberam nomes masculinos, de acordo com seu sexo biológico, mas logo descobriram que se sentiam mulheres. Interessada na história da enigmática figura, a jovem busca também informações para conhecer a si própria. Completa o trio Paca la Piraña, interpretada por ninguém mais que ela mesma. Aliás, uma das grandes qualidades da produção foi ter escalado atrizes transexuais para viver as personagens.

A série abrange toda a vida de Veneno, desde o seu nascimento e infância em Adra, na década de 1960. Embora ainda seja pequena, com cerca de 25 mil habitantes, trata-se da quarta cidade mais antiga do país e teve importância em diversos momentos da história local, tendo sido fundada como importante porto comercial. Além disso, achados arqueológicos revelam que o local já era ocupado há milhares de anos atrás. Seus principais atrativos turísticos são os vários quilômetros de praias e seus faróis e as construções antigas. Para ela, obviamente, a pequena comunidade não trazia tão boas lembranças, já que ali sofreu muito preconceito até fugir para uma área rural de Marbella. Hoje, a cidade recebe muitos visitantes em suas praias, hotéis, mansões, campos de golfe, casas noturnas, iates luxuosos e lojas sofisticadas.

La Veneno ficou famosa ao ser entrevistada por Faela Sainz para um programa de televisão, em 1996. A repórter a encontrou em Madrid enquanto filmava uma matéria sobre prostituição, assunto que não era tratado abertamente na mídia da época. O Parque del Oeste era dividido em dois distritos, um para as mulheres cisgênero e outro para as transgênero. Depois da matéria ir ao ar, os telespectadores passaram a escrever para o programa pedindo novas aparições. Após duas semanas, ela aceitou ir à emissora e se tornou uma presença regular. Sua inegável beleza, histórias incríveis, linguagem chula e senso de humor leve cativaram o público, fazendo com que a audiência aumentasse sempre que aparecia.

A série trata do papel da mídia para popularizar e marginalizar pessoas, explorando suas imagens quando lhes é conveniente. Nessa época, o país estava em processo de reestruturação após 35 anos de um regime ditatorial totalitário, que incluía censura, repressão e perseguição de minorias e partidários de esquerda. O movimento social conhecido como Movida Madrileña buscava o testemunho de músicos, jornalistas e pessoas comuns que quisessem expressar suas opiniões, agora sem ter medo de serem presas ou assassinadas. Um dos programas mais populares, Esta Noche Cruzamos el Mississippi, era apresentado por Pepe Navarro e intercalava humor e jornalismo investigativo.

La Veneno foi percursora ao falar abertamente, em rede nacional, sobre a dura realidade da prostituição, que envolvia a pobreza, a falta de perspectivas para o futuro e o desrespeito mesmo dentro de sua própria família. Desde aquele momento, ela tornou-se um símbolo LGBT no país e um incentivo para que outras pessoas trans pudessem expressar sua identidade. Obviamente, tanta exposição também lhe trazia problemas. Depois do fim do programa, ela participou de filmes pornôs, lançou um disco compacto e continuou com aparições na televisão, passando por muitos altos e baixos.

A história é capaz de nos fazer rir, chorar, ficar revoltado e criar empatia por diversos personagens. Também nos ajuda a entender a complexidade dos sentimentos das pessoas trans e como elas sofrem por serem excluídas da sociedade, acabando por criar novas famílias a partir de amizades com pessoas que passam pelas mesmas dificuldades. Ainda hoje, elas lutam pelo direito de adotar um novo nome, mudar o sexo nos documentos oficiais e arrumar empregos formais, mesmo em países considerados avançados. Também são estigmatizadas por grande parte das pessoas e possuem uma expectativa de vida bem abaixo da média.

Muitas cenas também se passam em Valência, cidade portuária conhecida pelas suas praias e parques, além de grande foco na arte e na ciência, com destaque para estruturas futuristas entre as quais se destacam um planetário, um oceanário e um museu interativo. Seguindo os passos de Veneno, passamos ainda por Las Palmas, capital de uma das Ilhas Canárias espanholas, no noroeste da África, e até Bangkok, capital da Tailândia, onde ela foi ao primeiro show de uma drag queen, que mudou sua vida. Mas o foco é mesmo o elemento humano. Aparece bastante, por exemplo, as mudanças físicas das personagens, tanto feitas de forma correta quanto em intervenções cirúrgicas baratas e mal sucedidas.

A série foi muito bem recebida pela crítica, sendo nomeada e premiada em diversos eventos pela sua direção, atuações, performances e outras categorias. O reconhecimento do público internacional veio, principalmente, após ser lançada pela rede de streaming HBO Max, onde continua disponível. Recomendo!