Ano: 2017
Autor: Lucrecia Zappi
A argentina Lucrecia Zappi mudou-se aos quatro anos para a cidade de São Paulo, passou parte da adolescência na Cidade do México, estudou artes plásticas na Amsterdã, voltou para trabalhar por aqui como repórter e mora, atualmente, em Nova York, onde cursou mestrado em criação literária. Talvez sejam justamente todas mudanças a razão para que tenha tanta habilidade em ambientar suas histórias.

No seu livro de estreia, Mil folhas, ela faz um passeio gastronômico, cultural e geográfico pela história dos doces. Já em seu primeiro romance, Onça preta, conta a viagem de uma estudante que começa com o sonho ingênuo de encontrar o pai e torna-se uma busca perversa pela própria identidade.
Lançado em 2017, Acre enfoca em aspectos contemporâneos da cultura brasileira retratados de forma nua e crua. O pano de fundo é o casamento ameaçado pela chegada de um ex-namorado da esposa e desafeto do marido nos tempos de juventude. Perdido entre o ciúme paranoico e as lembranças da adolescência, o marido vaga por uma cidade marcada por ameaças violentas que parecem sair das ruas e invadir com força sua rotina morna e previsível.

O título faz referência ao estado brasileiro considerado exótico e desconhecido pela maior parte da população do país e onde se passa parte da história, mas também é sabor amargo, ácido e azedo, além do cheiro ativo, forte e penetrante. Por fim, trata-se de uma unidade de medida agrária, vinculado ao sentido de propriedade que tem tudo a ver com a disputa amorosa em questão. Os conceitos têm tudo a ver com o clima criado por Lucrecia Zappi, que mergulha o leitor em uma narrativa cheia de nuances e dúvidas, fazendo com que o livro seja difícil de largar. Por isso mesmo, eu terminei em apenas um fim de semana.

Destaca-se a sufocante e hostil cidade de São Paulo, onde preconceito, brutalidade e decadência brotam de cada esquina. Os fatos se desenrolam perto de onde moram os personagens, no centro da metrópole. Os arredores da Vila Buarque eram símbolo da próspera classe média, que logo se viu dividindo o espaço com moradores de rua, usuários de drogas e prostitutas. Já as passagens da adolescência nos levam à ilha de Santos da década de 1980, com destaque para as praias, onde ocorriam conflitos entre surfistas e traficantes. Passado e presente se juntam em um jogo de conflitos que, embora sejam parte da intimidade do casal, acabam trazendo à tona questões sociais que tentamos tanto disfarçar.

Acho que vale a pena deixar o alerta de que se trata de uma narrativa bem solta e o final não é fechado, deixando a cargo do leitor tirar suas próprias conclusões sobre o que acontece. Isso pode incomodar aqueles que gostam das informações mais mastigadas, mas eu confesso que gosto. Além da versão impressa, é possível ler a obra no Kindle. Embora eu goste bastante da sensação de segurar e folhear um livro, o dispositivo tem muitas vantagens como carregar uma quantidade enorme de títulos, leve para levar em viagens, bateria que dura por vários dias, tela que não cansa os olhos, ser à prova d’água e outras.