A cidade de Lagoa Santa é particularmente famosa pelas descobertas empreendidas a partir do século XIX por Peter Wilhelm Lund, naturalista dinamarquês considerado o pai da paleontologia e arqueologia no Brasil. Nos dez anos que passou fazendo escavações nas grutas calcárias da região, ele e sua equipe encontraram restos de esqueletos humanos e da antiga fauna pleistocênica, incluindo uma preguiça gigante. Muito tempo depois, na década de 1970, foi encontrado o crânio de Luzia, o mais antigo de toda a América, datado de aproximadamente 11.500 anos. Posteriormente, o fóssil foi atribuído à cidade de Pedro Leopoldo, que fica próxima. Mais recentemente, em 2018, foram achados 39 esqueletos humanos com idades entre 8 e 11 mil anos. Não à toa, os maiores atrativos da área estão ligados a essas descobertas pré-históricas.

Mas o pequeno município, localizado a 35 km de Belo Horizonte, também tem como destaque a orla da lagoa central, principal ponto de interesse dentro da área urbana. Nesse passeio, eu parei o carro próximo ao Parque do Piquenique Literário, uma charmosa e tranquila praça com alguns brinquedos para crianças, equipamentos para exercícios físicos ao ar livre e bancos para descansar e apreciar a paisagem. Na rua Manoel de Paula, é realizada, todos os sábados de manhã, a Feira Agroecológica. São comercializados vários produtos da agricultura familiar sem uso de insumos químicos e agrotóxicos, incluindo mudas de plantas e alimentos como bolos, pães, doces, queijos, iogurtes, mel, ovos, licores, cogumelos frescos e outros.

Muitas pessoas aproveitam o local para passeios de bicicleta, patins, prática de esportes e caminhadas. Meu objetivo, nesse dia, foi justamente percorrer a pé os cerca de 6,5 km do calçadão. Eu levei 1h45 minutos para fazer o trajeto em um ritmo tranquilo, parando as vezes para tirar fotos. Também vi algumas pessoas aproveitando as águas para circular em barcos à vela, stand up paddle e os famosos pedalinhos. Outras pescavam, embora os peixes não são adequados para consumo. Também não é permitido nadar em tempos atuais.

A lagoa se formou há aproximadamente 8.000 anos após deslizamentos, já que a terra com formação calcária subjacente se dissolveu, possivelmente, devido às chuvas torrenciais. A ocupação recente teve início em 1733 por Felipe Rodrigues, responsável pelo cultivo de cereais e cana de açúcar, com um pequeno engenho para a produção de aguardente. Após a melhora de suas úlceras com banhos na lagoa, ele relatou o poder de cura das águas, depois divulgado no livreto “Prodigiosa Lagoa” do cirurgião João Cardoso de Miranda, em 1749, e pelo médico italiano Dr. Cialli. A notícia se espalhou e atraiu vários peregrinos. As águas chegaram a ser exportadas para Portugal, mas o comércio foi logo proibido pelo reinado.

Ao passar por um suposto receptivo turístico, que estava fechado e me pareceu abandonado, coloquei em dúvida a qualidade das estruturas para receber turistas e moradores da cidade. Mas, ao longo da caminhada, vi que outros pontos estão mais bem conservados, como é o caso desse mirante no deck de madeira, revitalizado em 2012. Ali perto, com o objetivo de valorizar a riqueza e diversidade cultural da cidade, com gastronomia variada e apresentações artísticas e musicais, acontece todos os domingos a Feira de Artesanato.

Em alguns pontos há espaços com mais árvores e sombras, como é o caso do Bosque da Megafauna. A área é pequena e reflete o avanço da civilização potencializado nos anos 1950, quando a elite da capital mineira começou a construir diversas casas de campo na orla. Os turistas passaram a ser atraídos duas décadas depois com a criação de uma praia artificial. Somente no fim da década de 1980 o movimento perdeu força com uma nova consciência ambiental.

O Deck da Memória recebeu esse nome por ter sido criado juntamente com uma exposição da linha do tempo da história local com obras de arte e intervenções urbanas. Ao longo da orla, destacam-se as estátuas de Felipe Rodrigues, que aparece junto ao seu cavalo; e mais adiante, o Dr. Lund aponta em direção ao seu mais precioso local de exploração, a Gruta da Lapinha, em companhia de dois de seus grandes parceiros, Peter Brandt, que anotava as instruções do pesquisador, e Eugenius Warming, responsável pela catalogação de espécies do cerrado.

A estrutura de madeira fica em uma área com grande concentração de restaurantes e bares, onde fiz uma parada no fim do passeio para um almoço tardio. Além do uso recreativo, a construção do piso visa a segurança, já que havia um desnível grande entre o passeio e a lagoa em diversas partes da orla. No fim do dia, parei ali para tomar um açaí e apreciar o pôr-do-sol.

Em frente à Praça Felipe Rodrigues, o Píer das Curas Milagrosas faz nova referência ao poder das águas. De fato, primeiro chamada de Lagoa Grande e Lagoa das Congonhas do Sabarabuçu, a cidade ganhou o nome atual após a propagação da propriedades medicinais, quando a lagoa passou a ser considerada milagrosa. A profundidade não ultrapassa os três metros, com o corpo sendo alimentado tanto por um aquífero quanto pelas chuvas. A Lagoa Central tem um formato triangular e esse píer fica em uma das pontas.

Seguindo o passeio, cheguei ao Gramado Gourmet, uma área agradável que muitas pessoas usam para fazer piqueniques ou ficar sentadas na grama para tomar sol, ler um livro e descansar. Ali estava um grupo grande de capivaras. Como vivem em um ambiente urbano livre de predadores, elas se multiplicam mais e acabam causando um desequilíbrio ambiental que leva ao aumento da população de seus parasitos, principalmente os carrapatos, agentes da febre maculosa. Por isso as recomendações de tomar certos cuidados explicados por placas indicativas em diferentes pontos da orla.

O Areião dos Esportes, como o próprio nome indica, é voltado para a prática de atividades físicas, tanto nas quadras quanto nos aparelhos de alongamento e musculação. Ali são realizados alguns eventos, principalmente nos meses mais quentes do verão. Quando eu passei por lá, algumas famílias aproveitavam o espaço, com as crianças jogando futebol.

O Iate Clube, oficialmente denominado Clube Náutico Joá, foi construído nos anos 1950 para uso da alta sociedade belo-horizontina. A arquitetura, marcada por curvas sinuosas, lembra os projetos de Oscar Niemeyer para a o entorno da Lagoa da Pampulha. Aqui, os revestimentos foram feitos com pastilhas italianas e o piso interno é de mármore de Carrara. Nos anos 1970, o local funcionou como um restaurante, onde eram realizados bailes dançantes.

Na mais recente revitalização, foi dada especial atenção ao paisagismo e à reconstrução do antigo deque de madeira usado por lanchas e barcos. Os visitantes podem subir a escadaria até o terraço para ter uma vista privilegiada da lagoa e da região, mas o edifício já foi vandalizado com pichações. Ainda assim, os jardins me pareceram bem cuidados e a área externa continuam a receber eventos e shows.

Em agosto de 1842, a região foi palco de conflitos durante a Revolução Liberal, que tinha como objetivo contestar a chegada ao poder dos conservadores. A Batalha de Lagoa Santa, que se deu em grande parte na Mata da Jangada, pode ser considerada uma verdadeira proeza militar devido à vitória alcançada com números bem menores que as forças do império. Pouco da mata resistiu às ocupações nos séculos subsequentes, sobrando uma pequena porcentagem de área natural. O Centro de Educação Ambiental realiza ações e eventos para preservação da vegetação nativa e sua valorização histórica.

Por fim, passei pela área militar que inclui o Clube dos Oficiais da Aeronáutica, quadras de esporte, residências, hospital e outras estruturas. Além das quase duas horas explorando a região, gastei um tempo para fazer minha refeição e ficar apreciando a paisagem. Achei o passeio bastante tranquilo e agradável e é fácil perceber como a lagoa foi importante para o desenvolvimento da cidade, seja pelas suas propriedades curativas, por ser uma fonte de água potável, por oferecer os peixes e outros animais como alimentos e pela sua beleza natural.
No mapa interativo acima estão marcados todos os pontos citados nessa postagem, além de outros atrativos de Lagoa Santa. Para ver com mais detalhes, basta aproximar dando um zoom.
Adoro quando mostram as riquesas naturais de Lagoa Santa. A expectativa sempre é de termos políticas públicas que, de forma profissional, incentive o turismo no município. E não podemos esquecer que temos na nossa porta um Aeroporto Internacional.
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Pretendo voltar outras vezes para conhecer mais lugares daí!
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Vc disse tudo
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Há alguns anos os especialistas do Museu Nacional comprovaram que o fóssil de Luzia foi descoberto no sítio arqueológico da Lapa Vermelha, município de Pedro Leopoldo. Inicialmente chamado de homem de Lagoa Santa, sabe-se que, na verdade, trata-se da mulher de Pedro Leopoldo.
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Interessante! Pedro Leopoldo e Lagoa Santa ficam bem próximas, talvez por isso a confusão.
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Isso é “propaganda enganosa” !!! A cidade não tem boate, casa de show, não tem point’s, restaurantes bons, não tem clubes, não tem um bom parque, não tem nada !!! Os clubes todos estão abandonados, com mato para todo lado, até os clubes que são de funcionários públicos estão abandonados ! Você não acha nada, não tem um mercado central, você não acha nenhuma mercearia, nenhuma drogaria por perto, e tem que dar a volta toda pela lagoa para encontrar o que precisa. Não tem grande supermercado, não tem nada ! Pra piorar nem policiamento tem, porque com é uma cidade do tamanho de um “bairro”, a polícia não tem estrutura física, não tem viaturas descentes nem em quantidade suficiente, não tem polícia suficiente, parece uma “cidade” ! A maioria das casas estão vazias porque as pessoas compram para usar como “casa de campo” ! Os assaltos e arrombamentos a residências não param de aumentar e os marginais tem rotas de fugas por todos os lados ! As “imobiliárias”, “claro” sempre vão dizer que é um “lugar maravilhoso” somente para os trouxas comprarem imóveis e construírem mais casas para depois perceberem que entraram numa fria e ficar anos tentando vendê-las por um preço abaixo do que pagaram por elas !!!
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Esse não é um site para fazer propaganda da cidade, apenas o relato de um passeio à beira da lagoa.
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Gosto muito de Lagoa Santa e da região da Serra do Cipó, que vou a vários anos, porém um fato em especial me preocupa muito que é o assédio da especulação imobiliária na região. O aumento populacional e expansão urbana traz consigo, uma demanda maior por redes de esgoto, recursos hídricos e supressão de vegetação nativa, aumento de descarte de resíduos e lixo, violência e barulho e a cidade com isso pode perder a sua vocação de lugar para refúgio e sossego.
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Isso está acontecendo mesmo… e as coisas vão ficando mais caras também.
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O texto ficou muito bem elaborado e atrativo. Lagoa Santa tem mais outros pontos turísticos bonitos que valem a pena a visita.
Só cabe uma edição, existe sim uma espécie predatória na lagoa, os jacarés, que são de destaque na cidade, principalmente o Alfredo que é sempre fotografado por moradores.
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Poxaaaa, eu num vi nenhum 😦
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