Ano: 2001
Autor: Neil Gaiman
Nós temos um conceito bastante limitado de Deus. Um aprofundamento no tema facilmente nos releva que a quantidade de figuras, entidades ou seres adorados pelos mais diversos povos ao longo dos séculos é incontável. Hoje mesmo, podemos dizer que veneramos conceitos, tecnologias, objetos e outras tantas coisas novas. Em Deuses americanos, através de uma jornada misteriosa por mitologias e crenças, o autor nos leva a conhecer pessoas de diferentes culturas que formaram os Estados Unidos e moldaram a história do país, bem como quem ou o quem elas cultuavam.

Neil Gaiman, nascido em Hampshire, na Inglaterra, começou sua carreira como jornalista, mas logo voltou seu talento para a construção de tramas e universos únicos, se destacando com a publicação de Sandman, uma série de quadrinhos que narra as aventuras de Morpheus, a personificação do sonho. As 75 edições em série lançadas entre 1989 e 1996 foram compiladas, posteriormente, em livros chamados Absolute Sandman, que pode ser comprado em um Box completo ou individualmente com os volumes Um, Dois, Três, Quatro, Cinco, Morte e Prelúdio. Outro trabalho dele com o qual tive contato, dessa vez através da adaptação cinematográfica, foi Coraline, de 2002.
Deuses americanos conta a história de um homem que aguarda ansioso o momento de voltar para a casa e a esposa após três anos na prisão. No entanto, poucos dias antes de ser liberado, sua vida sofre uma reviravolta. Sem lar e sem rumo, ele aceita trabalhar para um homem enigmático, traiçoeiro e trapaceiro, que parece conhecer tudo da sua vida. Eles embarcam juntos em uma jornada sombria por vários recantos dos Estados Unidos em busca de aliados para uma guerra.
Confesso que fiquei perdido com tantas referências a deuses antigos e novos, sendo que alguns são mais facilmente identificáveis que outros, dependendo do conhecimento prévio do leitor para pegar as referências. Mas gostei da estrutura de road trip da trama. Inclusive, é possível visitar vários dos pontos citados nas viagens pelo país, o que posso comentar sem dar spoilers da história.

Um evento importante na nova vida do protagonista acontece na House on the Rock, que fica na pequena vila de Spring Green, Wisconsin. Trata-se de uma atração de beira de estrada que possui diferentes atrativos como jardins, dioramas, máquinas de música, brinquedos e a própria arquitetura. Os destaques são a grande passarela da Infinity Room, que se estende sobre a paisagem externa, e o carrossel.

Já no estado de Illinois, a cidade de Cairo aparece como um cenário decadente. De fato, o local chegou a ter relevância econômica na região, já que se encontra no encontro dos rios Mississippi e Ohio, por onde por muitos anos navegaram barcos comerciais. Com a queda do transporte de produtos por vias fluviais e a grande enchente de 2011, que causou destruição nas construções e fazendas da região, a população vem diminuindo e quem ficou por lá enfrenta diversas dificuldades. A tentativa agora é reviver o centro histórico para atrair turistas.

Neil Gaiman também inseriu na trama a fictícia de Lakeside, que pouco tem a ver com a cidade de mesmo nome no país. Existe um certo debate da localidade real que inspirou de fato o autor, incluindo diferentes cidades pequenas na região. A mais próxima das descrições do livro é Menomonie, também no estado de Wisconsin, em particular o lago congelado onde são feitos buracos para pesca no gelo durante o inverno e o prédio do Mabel Tainter Memorial Theater, que parece bastante com a biblioteca visitada pelo protagonista.

O exato ponto central dos Estados Unidos também é um dos locais visitados. Mesmo no livro ele é descrito de uma forma que desanima os turistas, que dificilmente vão se interessar por uma placa no meio do nada com um pequeno monumento de pedra, uma igrejinha e um motel em ruínas próximo a Lebanon, uma cidade no Kansas com pouco mais de 200 habitantes. Mas são belas paisagens rurais que merecem ser apreciadas por quem passa pela região.

Encontrar a “árvore do mundo” que ilustra a capa dessa edição do livro pode ser um desafio tão grande para os fãs de Deuses americanos quanto foi para os personagens, já que as coordenadas do texto são vagas: uma hora de viagem ao sul de Blacksburg, Virgínia não oferece coordenadas exatas, ainda mais com o personagem declarando ter perdido a noção do tempo e precisado refazer pelo menos uma parte do caminho. Além disso, existem inúmeros freixos, a grande árvore mítica dos celtas, na região. Há sugestões diversas na internet, mas talvez seja um desses casos em que a procura é mais importante que o encontro.

Outro local místico que merece ser conhecido é a Lookout Mountain, onde foi construído um grande parque chamado Rock City, no estado de Georgia. Entre corredores apertados de rochas maciças e cavernas iluminadas com luzes neon, há esculturas de gnomos e elfos deformados e dioramas de livros de histórias infantis acompanhados de músicas cantadas por crianças, algo tão bizarro quanto maravilhoso. Mas o que chama mesmo a atenção é a impressionante cachoeira e o mirante com vista para sete estados americanos.
Deu vontade de conferir como essas cidades, pontos turísticos e paisagens se encaixam na história, não é? Para isso, além da versão impressa, é possível ler a obra no Kindle, dispositivo que mudou a minha relação com a leitura ao me permitir carregar uma quantidade enorme de livros em um aparelho cuja bateria dura por vários dias, tem uma tela que não cansa os olhos, dá acesso imediato a dicionários de significado e tradução, marca e compila trechos e outras vantagens.