Título original: Ai no korîda
Ano: 1976
Direção: Nagisa Ōshima
Elenco: Eiko Matsuda e Tatsuya Fuji.
A primeira coisa que eu preciso comentar sobre esse filme é que ele contém muitas, praticamente intermináveis, cenas de sexo real entre os atores, sendo considerado praticamente um pornô por muitas pessoas. A segunda é que eu vejo ele muito mais como um exercício artístico que retrata bem a história real de um amor doentio. Para entender melhor, é interessante conhecer um pouco da trajetória da protagonista, já que alguns detalhes não aparecem no filme.

Sada Abe, nascida em 1905, começou a estudar canto e a tocar shamisen quando criança, atividades mais associadas a gueixas e prostitutas que à classe artística. Com problemas em casa, ela frequentemente saía para ficar com um grupo de adolescentes. Em uma dessas situações, ela acabou sendo estuprada por um conhecido. Cada vez mais rebelde, ela foi vendida pelos pais em Yokohama para uma casa de gueixas, profissão que era considerada honrosa no país. Sua carreira, entretanto, não decolou porque o trabalho exigia um treinamento intenso de anos e ela se manteve nos níveis mais baixos, que envolviam fazer sexo com os clientes. Além disso, ela tinha má reputação por roubar dinheiro e tentar fugir diversas vezes do bordel.

Por fim, ela conseguiu um emprego de garçonete, mas o salário era muito baixo e ela voltou para a prostituição, dessa vez de forma ilegal. Ela havia tido contato com a sífilis e o exercício legal da profissão exigia exames periódicos. Nesse período, ela chegou a ser presa e também foi amante de um homem casado que a sustentava. Ela também já mostrava problemas ao exigir fazer sexo três, quatro, várias vezes por dia e uma grande dependência emocional. Ao fim do relacionamento, ela passou por Nagoya, onde trabalhou em um restaurante e teve um caso com um dos clientes do local. Posteriormente, foi para Tóquio, onde se passa a história do filme. Ali, ela começou um romance com o novo padrão, Kichizō Ishida.

O império dos sentidos gira justamente em torno do relacionamento de Sada Abe com Kichizō Ishida, outro homem casado. Após um jogo de sedução, eles finalmente marcam um encontro sexual que acabou durando duas semanas e foi regado a muita bebida. Eles continuavam a transar repetidamente inclusive na frente das empregadas que entravam para servir sake e comidas. Apesar do pouco tempo, surgiu ali uma paixão obsessiva e ela passou a ficar perturbada com a ideia de que ele voltaria para sua esposa, o que a deixava com um ciúme insano.

No curto tempo que passaram juntos, eles praticamente fizeram sexo o tempo todo, então é compreensível que o roteiro gire em torno dessas experiências. Eu não acho que as cenas tenham sido feitas de maneira tão explícitas para dar tesão, mas sim para retratar aquela realidade. Pelo seu conteúdo intenso, elas podem ser um gatilho para pessoas que já sofreram algum tipo de abuso, mas também podem gerar desejo para aqueles que tem fantasias sexuais um pouco fora do padrão. Eu confesso que para mim foi uma experiência de exaustão física e emocional, algo que os próprios personagens estavam sentindo, por isso, considero que o objetivo do diretor foi alcançado.

O conteúdo acabou por gerar muita polêmica até mesmo no momento de sua produção, já que as leis de censura no Japão não permitiram que o filme fosse feito como proposto. Para driblar essa barreira, os negativos foram enviados para a França para processamento e edição e grande parte do conteúdo foi enquadrado com cortes ou borrado na exibição em seu país de origem. Também não é de se admirar que ele tenha sido banido, censurado ou veiculado apenas em cineclubes em diversas localidades, só sendo liberado décadas depois. Eu entendo essa postura já que, até mesmo para os nada puritanos, muito do que é mostrado pode ser chocante demais, tanto pelo conteúdo sexual quanto pela carga dramática.

Mas por que, então, assistir a esse filme? Como se pode imaginar, ele acabou por se tornar um clássico do cinema porque quebra diversos tabus sexuais ao retratar a história real de forma direta, sem restrições socais. À época, Nagisa Ōshima chegou a testemunhar em uma corte para explicar as obscenidades mostradas na obra, ao que ele respondeu que “Nada que é expressado é obsceno. O que é obsceno é o que está escondido”. Também não se pode negar a qualidade artística da obra, que possui atuações primorosas e uma bela fotografia. Além disso, é uma forma de conhecer um pouco mais sobre a cultura do país, seja pelos costumes e o trabalho das gueixas, seja pela arquitetura, vestuário, culinária e outros detalhes. No mais, é preciso que cada um veja O império dos sentidos para tirar as suas próprias conclusões, que podem facilmente ir do amor ao ódio.