Título original: Medena zemja
Ano: 2019
Direção: Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov
Concebido para ser um curta-metragem sobre o rio e seus arredores, na Macedônia do Norte, a produção desse documentário acabou durando três anos e gerando mais de 400 horas de material bruto, resultando em um longa. Isso porque os diretores conheceram o trabalho de uma mulher que, embora relutante, aceitou participar do projeto por achar importante que a sua mensagem fosse passada para o mundo.

A história gira em torno da descendente de turcos Hatidže Muratova, que vive com sua já idosa e parcialmente cega mãe, completamente dependente dos cuidados da filha. Nos arredores da vila chamada Bekirlija, em uma região montanhosa e isolada, sem acesso à eletricidade e água corrente, acompanhamos o seu trabalho como uma das últimas coletoras de mel das abelhas selvagens, respeitando as tradições familiares de uma cultura sustentável para o ecossistema.

Com uma produção pequena que acompanha a sazonalidade natural do trabalho das abelhas, ela viaja eventualmente até Skopje, capital do país, levando horas para fazer o trajeto a pé e de trem. O dinheiro que ganha é o suficiente para levar uma vida extremamente simples, mas suficiente para a sua sobrevivência sem trazer muitas consequências para o meio ambiente que pretende preservar. É um cotidiano difícil e sofrido, mas a protagonista parece conformada com seu destino e faz o melhor para as pessoas à sua volta.

Os problemas aparecem com a chegada de uma família nômade na comunidade, gerando um conflito que não estava previsto ser explorado pelos documentaristas – a intenção era mostrar o trabalho e a relação entre mãe e filha. Sem respeito à natureza e devido à necessidade de ganhar mais dinheiro para sustentar seus sete filhos, o homem acaba por quebrar o equilíbrio ecológico e causar problemas com a produção do mel. Isso mostra como pequenas atitudes em prol do lucro imediato são suficientes para provocar mudanças profundas no meio ambiente, uma lição que o documentário mostra sem parecer forçado.

Devido à localização remota, a equipe de filmagem ficava em Bekirlija por três ou quatro dias consecutivos, dormindo em tendas e redes próximas da casa de Muratova, e depois voltava para lugares mais habitados para pegar mantimentos e recarregar os equipamentos. A falta de energia no local dificultava o trabalho pois não era possível usar a iluminação artificial tradicional do cinema, sendo necessário contar com a luz do sol, velas, lâmpadas a gás e lareiras. Ainda assim, eles conseguiram alcançar uma qualidade de imagem tão incrível que, em muitos momentos, eu cheguei a pensar que estava assistindo a uma ficção super bem produzida.

O documentário não faz uso de narração ou qualquer outro artifício narrativo para explicar os acontecimentos, focando na observação e registro da vida das pessoas retratadas, um estilo conhecido como mosca na parede. O interessante é que ambos os diretores sequer falavam turco, então tudo era filmado sem compreender o conteúdo. Isso foi até mesmo levado para a pós-produção, na qual os primeiros meses de corte foram feitos sem acesso ao áudio ou transcrições, resultando em uma grande experiência visual.

Com isso, alguns espectadores podem achar a história muito parada e rasa, já que não entrega tudo de mão beijada, explicadinho. Mas, para os mais atentos, o filme explora temas importantes como as mudanças climáticas (resultantes da ação humana), a queda na biodiversidade (exemplificado pelo declínio da população de abelhas), a exploração dos recursos naturais (acima do necessário e com objetivo comercial), o consumismo moderno (pressão do capitalismo com consequências diretas no meio rural), as relações humanas (com a família e em sociedade) e questões antropológicas (a vida no campo e heranças culturais). Um dos assuntos discutidos, por exemplo, é o motivo da protagonista não ter se casado.

Em resumo, é um filme delicado e dramático sobre uma realidade que, embora pareça muito distante, é influenciada diretamente pelas nossas escolhas e apresenta consequências para todos. Tem muito ali que podemos nos relacionar, como a questão do meio ambiente, o consumo sustentável e as relações afetivas.