Título original: Jiang hu er nv
Ano: 2018
Direção: Jia Zhang-Ke
Elenco: Zhao Qiao, Liao Fan, Feng Ziaogang, Xu Zheng e Zhang Yibai.
O termo jianghu (livremente traduzido como rios e lagos) evoluiu ao longo da história chinesa, tendo sido usado, inicialmente, para se referir às pessoas que não se envolviam com a vida política. Ao longo dos séculos, passou a ser relacionado à uma sub-sociedade da qual faziam parte os comerciantes, artesãos, mendigos e vagabundos, depois incluindo bandidos e gangues. Embora o termo tenha sido adotado por romancistas do século XX para se referir a praticantes de artes marciais e à aplicação da justiça por meio de códigos morais, ele continua sendo também associado às sociedades anarquistas e ao crime organizado. É nesse último sentido, principalmente, que ele aparece no filme.

A história é livremente baseada em um líder de gangue que o diretor tinha admiração durante sua infância, como um modelo a ser seguido. Na obra, ele aparece como um pequeno mafioso local que acaba por inserir sua namorada no mundo do crime. É interessante ver a dinâmica do casal, sendo ela filha de um simples minerador desempregado, em meio a cenas que envolvem bebidas, reuniões em casas noturnas e atos violentos, em um estilo visual e narrativo que ao mesmo tempo homenageia e se destaca daqueles vistos em filmes americanos sobre a máfia italiana. Mas essa é apenas a primeira parte da história, que se passa em três momentos distintos entre 2001 e 2018.

De fato, o filme não é tanto sobre crime, mas sim sobre a paixão avassaladora da protagonista. Em certo momento, observando um vulcão extinto há mais de mil anos, ela comenta que algo que queima em tão alta temperatura necessariamente é purificado. A partir de então, seguimos uma história mais intimista, dramática e melancólica. Nos dezessete anos de que trata o roteiro, ela perde tudo e passa por muitas provações, mas mantém sua personalidade e seu amor. Já o ambiente passa por muitas transformações socais, políticas, econômicas, ecológicas e tecnológicas.

Datong é uma cidade mais de três milhões de habitantes localizada no nordeste da China. A queda brusca no preço do carvão abalou profundamente a economia local, que tinha na exploração das minas a sua principal indústria. Além da pobreza e da falta de trabalho para uma boa parte da população, também é relevante citar o problema da poluição. Essas questões aparecem como um pano de fundo na trama, mas funcionam como um personagem a parte, sendo possível identificar as críticas sociais presentes no filme com um olhar mais atento.

Amor até as cinzas também se passa em outras localidades do país, destacando pontos importantes da cultura da China como as festas, a música, a culinária, o transporte, os costumes e outros detalhes que eu acho muito interessantes de observar. Certamente ele tem um ritmo particular e pode parecer, para o espectador menos atento, que pouco acontece no desenrolar da história. Para mim, é uma abordagem sensível, colocando a mulher como ponto central de um filme de gangster. Além disso, as ótimas atuações, a fotografia primorosa e diversas outras qualidade fazem com que esse filme mereça ser apreciado.