Título original: For Sama
Ano: 2019
Direção: Waad Al-Khateab e Edward Watts
Por mais que a gente acompanhe os noticiários, é difícil ter um conhecimento pouco mais que superficial do que acontece no mundo. A internet permite o acesso a uma quantidade tão imensa de informações que se torna impossível se aprofundar em diversos temas. Eu, por exemplo, não tinha ideia da extensão da situação da guerra civil na Síria até assistir aos dois documentários indicados ao Oscar nesse ano – o outro se chama The Cave.

Iniciado em 2011, o conflito entre o governo e a população, cada lado com grupos diversos e apoio de diferentes aliados estrangeiros, já causou a morte de centenas de milhares de pessoas. A tensão teve início após protestos contra o presidente Bashar al-Assad terem sido reprimidas com violência, mas envolvem décadas de golpes de estado, censura, controle da população, mudanças no poder, problemas econômicos, polêmicas na nova constituição, revoltas armadas, injustiças sociais, promessas frustradas de reformas democráticas e outras questões.

Mas o documentário tem um enfoque mais pessoal. Produzido e narrado pela jornalista, diretora e ativista Waad Al-Kateab, o filme foca na sua família por cinco anos, período em que ela se muda para Alepo, cidade que seria o centro das forças rebeldes, se apaixona por um dos poucos médicos que fica na cidade após o início da guerra, engravida e tem a filha, que recebe o nome de Sama e para quem a obra é dedicada. Tudo isso em meio a conflitos armados cada vez mais intensos e a luta diária pela sobrevivência, sempre em face à difícil decisão de fugir para um local mais seguro ou ficar para ajudar as vítimas da guerra, entre os quais muitos são civis inocentes, incluindo muitas crianças.

É um filme pesado e triste, com muitas cenas que mostram pessoas machucadas e mortas, além daqueles que perderam seus entes queridos em situação de desespero e desconsolo. O conteúdo, entretanto, não soa apelativo (pelo menos na minha opinião). É a verdade nua e crua, sem filtros, necessária para que o público tenha a real percepção do que vivem aquelas famílias. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, estima-se que, até 2015, quase onze milhões de pessoas tenham saído de suas casas para outras regiões do país – quase metade da população inteira da Síria. Além da violência, era preciso enfrentar a falta de comida, o saneamento precário, problemas de saúde e outros.

Além disso, quase quatro milhões de refugiados procuraram asilo no Líbano, Jordânia, Turquia e Iraque, além de outros diversos países, o que agravou a crise migratória na Europa. Muitas dessas pessoas deixaram seu país de origem sem seus pertences e vivem em situações precárias, mas, ainda assim, mais seguras do que antes. São deixados para trás histórias e parentes, mas também seus empregos. Milhares de sírios, inclusive, vieram para o Brasil sem saber nada sobre a cultura local ou falar a nossa língua, o que dificulta a obtenção de um trabalho até mesmo para quem tem formação especializada em engenharia, medicina, administração e outros. Muitos deles acabaram por empreender na área da alimentação, abrindo restaurantes e lanchonetes.

O documentário não chega a tratar dessas questões externas, se limitando a retratar a situação do ponto de vista da cidade de Alepo. Com pouco mais de uma hora e meia, consegue mostrar o desenvolvimento do conflito ao longo de anos. Quando a cidade já está totalmente destruída, é difícil pensar em alguma situação que seja pior do que a vivida por aquelas pessoas. Dá até uma certa culpa por estar em uma posição tão privilegiada, apesar de todos os problemas no nosso próprio país.

Para Sama funciona como um registro da guerra, mas também uma explicação da mãe para a filha sobre porque ela decidiu passar anos em uma cidade sitiada pelo governo, expondo um bebê ao risco de morte e prováveis traumas psicológicos. É uma carta de amor e um pedido de desculpas. Daí que vem a sua força e também a profunda ligação do espectador com as pessoas ali retratadas. É intenso, mas também muito tocante.
