Sempre que visito o Rio de Janeiro, acabo passando pelo Aterro do Flamengo, nem que seja de carro ou até mesmo transporte público, saindo do Aeroporto Santos Dumont até o meu destino final. Mas também já fui lá algumas vezes para aproveitar o complexo de lazer, incluindo uma visita ao Museu de Arte Moderna, shows realizados na Marina da Glória e no Vivo Rio e outros atrativos que ficam na área oficialmente chamada Parque Brigadeiro Eduardo Gomes. Dizem as más boas línguas que, em 1945, durante a campanha eleitoral do político que deu nome ao parque, as mulheres do comitê criaram o slogan “Vote Brigadeiro, além de bonito, é solteiro” e fizeram uns quitutes com leite, ovos, manteiga, açúcar e chocolate para angariar fundos. A iguaria fez bastante sucesso e passou a ser chamada “docinho do Brigadeiro”. O resto é história, gordice e uma das melhores guloseimas brasileiras. Já a segunda parte do aterro, que é separada da primeira por um quebra-mar, fica na praia em si e é conhecida como Parque do Flamengo.

Geralmente lembramos do Aterro do Flamengo por sua área verde e atrativos culturais, mas ele deve ser visto como parte integrante de um plano maior que tinha como objetivo melhorar o tráfego da região, desfazer o Morro Santo Antônio e outras mudanças. As ideias dessa reestruturação vinham sendo trabalhadas desde o final da década de 1920 e tiveram sequência com o trabalho do arquiteto Affonso Eduardo Reidy, incialmente assistente de Alfred Agache e, posteriormente, diretor do Departamento de Urbanismo da cidade.

O plano original já previa a construção das pistas expressas entre a zona sul e o centro da cidade, mas a ideia de criar os parques é atribuída à arquiteta Lota de Macedo Soares, interpretada por Glória Pires no filme Flores Raras. Também esteve envolvido no projeto o celebrado paisagista Roberto Burle Marx. Atualmente, o aterro é frequentado principalmente nos finais de semana, quando moradores e turistas lotam a área. Um dos destaques a paixão nacional: o futebol. Os campos para a prática do esporte foram criados pela iniciativa de Raphael de Almeida Magalhães, um dos colaboradores do então governador do estado, Carlos Lacerda.

Mas também há espaços reservados para a prática de muitos outros esportes como tênis, vôlei, basquete, aeromodelismo e modelismo naval. Também vi por lá uma pista de skate e patins, com aquelas rampas e pessoas tomando tombos. Além disso, muitos aproveitam os espaços livres da grama para praticar outras atividades físicas, passear com cachorros, reunir a família e amigos ou simplesmente passear. A maior parte da configuração atual dessa área foi inaugurada em 1965.

A orla dessa região tinha uma formação recortada, com pequenas enseadas como a Praia do Russel, que ficava na altura do luxuoso Hotel Glória – eu cheguei a me hospedar lá, mas ele encontra-se fechado há mais de uma década e tem ficado cada vez mais deteriorado enquanto não resolvem levar em frente uma reforma completa. As primeiras obras de aterramento remontam do início do século XX, quando foram construídas algumas avenidas e a Praça Paris. Posteriormente, o projeto continuou utilizando as pedras tiradas do desmonte gradual do Morro do Castelo, incluindo para a região central e o Aeroporto Santos Dumont. Essas pedras podem ser vistas em alguns pontos juntos ao mar.

Mas a parte principal do aterramento da região aconteceu mesmo nos anos 1960, com o entulho retirado do morro sendo despejado no mar desde a Ponta do Calabouço até o Morro da Viúva. O processo envolve a formação de lagunas e, posteriormente, o aterramento em si.

Outra coisa que chama a atenção de quem visita o local é a iluminação feita por altíssimos postes com lâmpadas potentes. A ideia é de que o parque parecesse estar sempre iluminado pela luz da lua cheia. Eu já passei por lá algumas vezes a noite, embora confesse que fique com um certo sentimento de insegurança por não ter tanta gente quanto durante o dia, e realmente vale a pena conferir o visual.

Também se destacam as passarelas de pedestres usadas para a travessia dos visitantes dos parques e dos banhistas que vão em direção à Praia do Flamengo. Há algumas passagens subterrâneas, mas eu prefiro utilizar o caminho superior de curvatura suave, que proporciona uma bela vista da região.

Nos domingos e feriados, das sete horas da manhã até às dezoito horas da noite, as pistas são fechadas para o tráfego de veículos motorizados, permitindo a circulação livre de pedestres, ciclistas, skatistas, patinadores e por aí vai. Muitas pessoas aproveitam para alugar bicicletas e fazer uma atividade física tranquila – apesar do calor insuportável que, muitas vezes, assola a cidade. Ocasionalmente, as vias também são usadas para competições ou a realização de shows para grandes públicos, embora esses últimos estejam se tornando menos frequentes devido ao transtorno causado na vizinhança e a depredação dos parques.

Dessa última vez que visitei o Rio de Janeiro reservei algumas horas do domingo para passear por lá e gostei bastante do clima (não da temperatura, que estava castigando). Tinha bastante gente, mas a amplitude do Aterro garante que a maioria dos pontos não fiquem abarrotados. Além disso, o rolê não está limitado aos fins de semana e feriados. Você pode visitar os parques e seus atrativos em qualquer dia, inclusive para passear de bicicleta ou fazer uma caminhada/corrida, já que há pistas destinadas a esse fim.

Muita gente também aproveita para curtir uma praia. Eu confesso que não tenho costume de entrar no mar nas partes mais movimentadas das grandes cidades por algumas desconfianças sobre a qualidade da água, mas tinha vários banhistas se refrescando por lá. Outros preferem curtir o parque em si, seja em grupos pequenos ou com a realização de eventos como aulas ao ar livre, comemorações ou sessões de fotografia. Vi muitos vendedores ambulantes com alimentos e bebidas, mas também pessoas fazendo churrascos por conta própria. Mas atenção: no caso de grupos com mais de vinte pessoas, é necessário providenciar uma autorização para a utilização do espaço, contratação de banheiros químicos e outros requisitos.

Por fim, deu para observar a fauna e a flora, principalmente as palmeiras em flor. Plantadas na década de 1960 por Burle Marx, essas árvores florescem apenas uma vez. Milhares de botões em tons de amarelo aparecem quando elas têm entre 40 e 70 anos de idade, variando de acordo com o solo, o clima, a incidência de luz solar e outros fatores. O espetáculo poderá ser apreciado por mais algum tempo, quando as flores darão lugar aos frutos, que irão cair e as palmeiras passarão a definhar até a morte. A expectativa é que novas mudas brotem naturalmente, reiniciando o ciclo da vida.