Ano: 2009
Autora: Martha Batalha
Eu não tinha ouvido falar desse livro ou da autora até ler uma notícia sobre a adaptação cinematográfica que não apenas foi selecionada para passar no Festival de Cannes, um dos mais prestigiados do mundo, como acabou vencendo a mostra “Um certo olhar”, que funciona de forma paralela à competição. A vida invisível também ganhou prêmios em outros festivais e foi escolhido como representante brasileiro para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro, o que prova que se trata de uma história relevante e uma produção bem realizada. E, assim que eu assisti ao trailer e descobri que se tratava de um livro, me interessei em ler a obra original.

A autora é Martha Batalha, nascida no Recife, mas crescida no Rio de Janeiro, onde também vive a personagem do título. No prólogo, ela escreve que “já houve no Rio de Janeiro corpos empilhados nas ruas, por causa da gripe espanhola”. Na leitura, podemos acompanhar esse e muitos outros fatos importantes da história da cidade desde o início do século passado, além de aspectos interessantes como a dominância das poucas famílias de classe alta, o surgimento de novos bairros e a manutenção de regras sociais que limitavam, principalmente, a vida das mulheres.

Talvez justamente por ter trabalhado por anos no mercado editorial, Martha Batalha tenha sentido a necessidade de criar personagens femininas como Eurídice, extremamente inteligente, mas cujos projetos eram frustrados por convenções sociais, a moral e o bom costume. Nas palavras da própria autora, uma mulher que “não seria definida pelo que fazia, mas pelo que não podia fazer”. É para ela que o livro dá voz, mas também às outras mulheres que desempenharam o pouco valorizado papel de donas de casa e hoje são avós de muitos de nós. E tudo isso se reflete ainda nos dias atuais, já que, embora tenham alcançado muitas conquistas, as mulheres ainda sofrem com uma série de resquícios de tempos passados.
A vida invisível de Eurídice Gusmão, inclusive, nem é mesmo só sobre a personagem que dá nome à obra. Guida, a sua irmã, tem um papel igualmente importante e grandes passagens dedicadas à sua trajetória. E também há várias outras mulheres na trama, o que oferece uma boa perspectiva de pessoas em diferentes classes sociais, com perspectivas tão distintas e diferentes graus de invisibilidade. Ali estão a vizinha fofoqueira, a prostituta que cuida de crianças, a dona de um comércio, a que veio de uma família rica e ficou pobre… além de muitos homens que, embora em posições mais privilegiadas, também não têm as rédeas das próprias vidas.
Essas múltiplas narrativas de violência, marginalização, injustiça, amor, críticas sociais e tantos outros temas são contadas com maestria no romance de estreia da autora, com perspicácia e humor. Embora não se fale ou se discuta diretamente o machismo ou os outros problemas, pelo menos não dando nome aos bois, está tudo ali. E a coisa flui tão bem que eu cheguei a me assustar com o fim repentino da história, já que estava lendo a versão do Kindle e não sabia quantas páginas faltavam. Vale a pena conferir.
Além d’A vida invisível de Eurídice Gusmão, Martha Batalha também lançou Nunca houve um castelo, que se passa mais uma vez na cidade do Rio de Janeiro e mostra múltiplos personagens em diferentes momentos da história do país, passando pelos ideais femininos e feministas, a revolução sexual, a reação ao golpe militar, a divisão de classes e a deterioração do Brasil.
Além da versão impressa, também é possível ler no Kindle, dispositivo que mudou a minha relação com a leitura ao permitir carregar uma quantidade enorme de livros em um aparelho cuja bateria dura por vários dias, tem uma tela que não cansa os olhos, dá acesso imediato a dicionários de significado e tradução, marca e compila trechos e outras vantagens.