Título original: Picnic at Hanging Rock
Ano: 1975
Direção: Peter Weir
Elenco: Rachel Roberts, Helen Morse, Anne-Louise Lambert, Karen Robson, Christine Schuler, Jane Vallis, Margaret Nelson, Jenny Lovell, Dominic Guard e John Jarratt.
Considerado um dos maiores êxitos do cinema australiano, esse filme traz alguns dos elementos comuns às obras cinematográficas modernas que surgiram, posteriormente, no país: a bela fotografia das paisagens naturais e o encontro entre os costumes dos colonizadores europeus e os mistérios locais. Embora o tema seja o ponto de partida dos acontecimentos, esse não é o foco principal da história, que continua a repercutir em discussões em dias atuais por ser é apresentada como um caso real e sem uma solução clara.

Baseado no livro Picnic at Hanging Rock, escrito por Joan Lindsay e lançado em 1967, o enredo conta do desaparecimento de algumas pessoas durante um piquenique da escola para meninas de alta classe na montanha conhecida como Hanging Rock. Trata-se de um retrato do ano de 1900, quando os europeus começaram a povoar o país e invadiram áreas antes ocupadas por povos nativos. Tanto o livro quanto o filme se tornaram clássicos instantâneos.

Hanging Rock é o nome popular do Monte Diógenes, uma distinta formação geológica de origem vulcânica localizada na pequena cidade de Woodend, na Austrália, a 70 km de Melbourne. Surgido há mais de seis milhões de anos, o cenário é largamente explorado nas obras e passou a ser bastante procurado por turistas após a publicação do livro e sua adaptação cinematográfica. Um dos costumes é gritar o nome da personagem “Miranda” de cima alguma das rochas. A influência é tão forte e explorada até os dias de hoje que gerou um movimento pela valorização da história real do local. A maioria da população aborígene foi dizimada pela varíola ou assassinada pelos colonizadores ingleses que dominaram a região a partir do século XIX.

Mas o filme não toca nessa questão, focando realmente no desaparecimento misterioso e nas consequências disso na sociedade, principalmente para a diretora da escola, preocupada com a repercussão negativa do caso; no psicológico de todas as pessoas envolvidas, incluindo as alunas e professoras; o interesse da população em se informar e também participar das buscas; o foco da mídia em retratar um assunto polêmico de forma sensacionalista; e o trabalho dos investigadores diante de um acontecimento sem explicação lógica.

Além dos assuntos tratados mais abertamente, também podemos perceber a questão da sexualidade em vários dos personagens, inclusive entre as alunas – não fica claro o limite entre o que é amizade e o que passa por um sentimento mais forte, até mesmo com certa tensão sexual. A maneira como a obra trata os temas de morte, feminilidade e a percepção adolescente do amor e do sexo foi de grande influência para outras obras, como As virgens suicidas e Maria Antonieta, da Sofia Coppola, entre outras.

Mais do que os acontecimentos em si, o que chama mais a atenção é a construção da história com movimentos de câmera e ângulos interessantes, imagens contemplativas dos personagens e da paisagem e a trilha sonora que complementa a narrativa. Enquanto alguns quadros são claramente inspirados em pinturas, outros trazem imagens que parecem sair de um sonho, com um ritmo próprio. Isso é alcançado com o uso da câmera lenta e com enquadramentos pouco convencionais.

Também achei o que o filme acabou sendo mais interessante do que o livro ao focar um pouco mais no trabalho de investigação e na urgência em encontrar uma solução para encontrar as pessoas com vida. Como o texto é bastante descritivo e não há tantos acontecimentos a serem retratados, o ritmo de leitura fica um pouco comprometido, principalmente porque senti um pouco de dificuldade por não encontrar nenhuma versão brasileira, tendo que ler em inglês. Embora eu domine o idioma, nesse caso há muitas palavras desconhecidas. Uma solução teria sido usar o Kindle e outros dispositivos móveis, que permitem consultas rápidas ao dicionário.

Não que o filme seja muito mais agitado. Ele tem várias cenas com personagens simplesmente pensando nos acontecimentos ou observando o ambiente ao seu redor, o que pode afastar os espectadores mais interessados em filmes comerciais. Mas eu confesso que fiquei totalmente envolvido. A fotografia, a trilha sonora, as atuações e os acontecimentos em si são usados de forma tão eficaz para criar um clima de delírio envolvente que pouco importa a busca por uma explicação lógica para os acontecimentos. Na verdade, o que mais me agradou foi assistir ao filme de forma poética, entendendo as motivações de cada um dos personagens em um nível mais psicológico. Por isso, não saber se elas foram raptadas, se sofreram um acidente, se fugiram ou qualquer outro motivo pouco importa.

No momento de seu lançamento, o filme gerou alguma controvérsia por apresentar uma história sem solução fácil. De fato, não sabemos exatamente o que levou ao desaparecimento daquelas pessoas, uma vez que os acontecimentos são mostrados com um clima surrealista mais próximo do sonho do que da realidade. Apesar disso, a obra foi um sucesso de crítica e público, levando o cinema nacional para o exterior. Na minha opinião, essa falta de clareza é o maior trunfo da obra, que deixa que o espectador tire as suas próprias conclusões, se é que elas são mesmo necessárias.