Ano: 2018
Direção: Alfonso Cuarón
Elenco: Yalitza Aparicio, Marina de Tavira, Marco Graf, Daniela Demesa, Enoc Leaño e Daniel Valtierra.
Assisti a esse filme do Netflix sabendo apenas que era em preto e branco, sem ter nenhuma noção do enredo. Na verdade, eu tinha imaginado que a história se passasse na cidade de Roma quando, na verdade, esse é o nome do bairro onde Alfonso Cuarón cresceu, na Cidade do México. Aliás, o drama marca a volta do diretor ao seu país, que não era retratado em suas obras desde Y tu mamá también.
O retorno faz sentido, já que esse é o seu filme mais pessoal. Não é à toa que ele escreveu, produziu, dirigiu, fotografou e editou, pois estava retratando justamente as suas memórias da maneira mais sincera e sensível possível. O personagem principal, entretanto, não é ele mesmo.
A história se passa no início da década de 1970 quando, ainda criança, Cuarón viveu alguns acontecimentos dramáticos. Além dos seus três irmãos, dos pais e da avó, moravam na casa de classe média duas empregadas domésticas. O enredo foca em uma delas, Cleo, que é quem cuida das crianças. Em uma das cenas ao mesmo tempo sutil e emblemática, vemos todos assistindo televisão, enquanto ela passa timidamente atrás do sofá recolhendo vasilhas sujas. Logo após se sentar e ser abraçada por um dos meninos, a patroa pede que ela busque um chá. O pedido, que pode ser entendido como uma ordem, mostra uma clara separação. Esse momento pertence à família, da qual ela não faz parte, independente da sua proximidade com todos.
Muitas pessoas tiveram ou ainda têm mulheres que trabalham e até moram em casa. Da mesma forma que é retratada no filme, elas convivem com as crianças até por mais tempo que os próprios pais, já que é comum que esses trabalhem fora. Mas as empregadas domésticas não estão nos porta-retratos, não participam dos principais momentos efetivamente como parte integrante da família, não têm a mesma liberdade. Como será que elas se sentem? É interessante perceber como a gente não tem noção dessas coisas. Só quando estamos mais velhos é que paramos para refletir sobre o assunto – se é que isso acontece. A impressão que eu tenho do filme é que é necessário isso. Ver muito além dos acontecimentos. A maior parte da narrativa está na interação dos personagens, nos objetos, nos olhares, nas pequenas atitudes. Esse cuidado com todos os detalhes é que faz desse filme uma verdadeira obra-prima.
Não é por acaso, por exemplo, que vemos, em diversas passagens, os cômodos grandes da casa, onde a câmera passeia lentamente e com liberdade. Eventualmente, somos levados ao pequeno local onde dormem as empregadas, em um quarto minúsculo junto ao quintal, destacado da construção principal. Ao que me parece, essa é uma herança dos tempos da escravidão, quando os serviçais ficavam próximos à cozinha, o que ainda é reproduzido nos apartamentos e casas com dependência completa de empregada. O termo DCE nada mais quer dizer que um quarto e um banheiro, sempre menores e simplórios, destinados ao uso exclusivo de quem trabalha no local.
O único lugar da casa em que Cleo parece sentir um pouco de liberdade é no terraço, onde sobe para estender as roupas. É quase como se ali se pudesse respirar, o que reforça a importância da fotografia nessa obra. Acredito que muitas informações possam passar desapercebidas por grande parte dos espectadores, já que é necessário exercer o olhar e fazer um trabalho de interpretação. O que significa, por exemplo, a cena de abertura, quando vemos um chão sujo sendo lavado? Ou o momento em que a empregada, em uma brincadeira com um dos meninos, se deita por um breve instante e afirma que é bom estar morta? Entre tantos outros exemplos.
Uma das coisas interessantes do filme, por exemplo, é a decisão de mostrar uma revolta popular sem explicar muito o que levou àquela situação no país. Somente depois de pesquisar um pouco na internet é que eu entendi o contexto do evento conhecido como Massacre de Corpus Christi. No filme, ele é retratado como pano de fundo justamente porque a família estava alheia àqueles acontecimentos de cunho político, o que me fez pensar na situação brasileira nessas últimas eleições, quando muitas pessoas afirmaram que não viram nada de negativo no período em que o país foi comandado por militares.
Eu poderia ficar aqui horas fazendo uma análise profunda de cada cena, mas não quero entrar em detalhes sobre o enredo para não atrapalhar a experiência de cada um. A única coisa que eu vou dizer é que recomendo que o assistam com bastante atenção. Embora pareça simples, esse é, de longe, o filme mais complexo que eu assisti esse ano.
Esse filme é lindo, super bem feito e é uma pura tradução do que é sensibilidade
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Tem cenas fortes e outras singelas, eu adorei!
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