Título original: Ultimo Tango a Parigi
Ano: 1972
Direção: Bernardo Bertolucci
Elenco: Marlon Brando, Maria Schneider e Jean-Pierre Léaud.
Vi esse filme pela primeira vez essa semana e confesso que fiquei ONTD (oh no they didn’t) com algumas cenas mais fortes – não só em questão do que é mostrado, mas pela carga dramática. Imagino a comoção que o filme deve ter causado na época do seu lançamento, principalmente em países mais conservadores. Não gosto de fazer uma sinopse que entregue muitas informações sobre a trama, que fica bem mais interessante quando descoberta aos poucos vendo o filme, mas posso dizer que envolve relações sexuais intensas e drama psicológico.

Maria Schneider reforçou o aspecto controverso do filme com entrevistas sinceras na época de seu lançamento, quando afirmou ser completamente bissexual. Apesar disso, em uma das cenas mais pesadas, a atriz diz ter se sentido humilhada e, de certa forma, abusada sexualmente por Marlon e Bertolucci. Ainda que o que os atores estavam representando não fosse real, ela não se sentiu confortável fazendo algo que não estava previsto no roteiro original e o que se vê nas imagens são lágrimas verdadeiras. A atriz afirmou, anos depois, ter se arrependido de ter participado da obra, quando tinha apenas dezenove anos. Marlon Brando também afirmou que nunca mais faria um trabalho como esse e ter se sentido estuprado e manipulado pelo filme. O resultado é um filme forte ainda nos dias de hoje, quando a sexualidade parece ter sido tão banalizada.

Os créditos iniciais mostram duas pinturas de Francis Bacon, artista que inspirou Bertolucci e o diretor de fotografia Vittorio Storaro na paleta de cores usada no filme – laranja, cinza claro, branco gelo, vermelho, marrom e outras. O diretor também levou Marlon Brando a uma exibição das obras de Bacon, quando afirmou que gostaria que o ator se comparasse às figuras humanas representadas nos quadros, com seus corpos e rostos caracterizadas por uma estranha plasticidade, como se a face estivesse sendo devorada por algo que viesse de dentro, o que combina bastante com o drama vivido pelo personagem.

Essa paleta de cores pode ser observada durante todo o filme, tanto nas cenas externas quanto internas. O apartamento, onde os personagens principais passam a maior parte do tempo, tem uma atmosfera triste e vazia. Bertolucci afirmou que as obras de Francis Bacon o lembravam Paris no inverno, quando as luzes das lojas criavam um contraste com o cinza predominante no céu, o que pode ser observado em diversas tomadas. Gosto bastante da direção de arte nessa obra, vale muito a pena prestar atenção aos detalhes.

De Paris, o ponto mais retratado é a ponte de Bir-Hakeim, mostrada de vários ângulos diferentes. O local ganha importância já na primeira cena, quando o homem interpretado por Marlon Brando se mostra perturbado com o barulho do metrô que passa no viaduto acima da ponte. Esse é, juntamente com o apartamento, o ponto central de encontros e desencontros do casal.

Muitas pessoas parecem acreditar que o filme só se tornou relevante pela polêmica que causou. A obra foi totalmente censurada em diversos países, como no Chile (à época com governo militar) e na Coréia do Sul. Em Portugal, a exibição ficou proibida até a revolução de 1974, quando sua estreia se tornou um exemplo da liberdade proporcionada pela democracia. No Reino Unido, a censura reduziu a duração da sequência de sodomia antes de permitir que o filme fosse lançado. Na Itália, o filme ficou em cartaz por uma semana até que a polícia fosse ordenada a obter todas as cópias e o diretor foi a julgamento por obscenidade. O resultado só veio anos depois, quando foi sentenciado que todas as cópias deveriam ser destruídas e Bertolucci foi condenado a quatro meses na prisão e teve seus direitos civis revogados por cinco anos. Nos Estados Unidos, o filme gerou tanto interesse popular quanto controvérsias morais, com manifestações de pessoas ofendidas levantando cartazes onde se lia “pervertidos” e “homossexuais” na porta do cinema de Montclair, New Jersey. Já na Austrália, o Último Tango em Paris foi lançado sem cortes com uma classificação para maiores de dezoito anos, o que foi adotado em vários outros lugares. Não concordo com essas pessoas: independente de toda a polêmica envolvida, acredito que a obra tenha várias qualidades narrativas e artísticas.