Ano: 2011
Autor: Elena Ferrante
Há alguns anos atrás, eu li o livro Dias de abandono (2002), publicado pela primeira vez em nosso país somente em 2016, que conta a história de uma mulher passando por um turbilhão de emoções após ser deixada pelo marido. A densidade do texto me impressionou tanto que eu soube que logo leria outras obras de Elena Ferrante, reclusa autora italiana cuja identidade é mantida em segredo, apesar de seu estrondoso sucesso mundial.
O anonimato mantém sua liberdade de escrita e garante que a recepção dos livros ocorra sem interferência de sua imagem pessoal, segundo a própria autora, em entrevistas concedidas por escrito ou intermediadas por editoras. Existem teorias de que seria uma tradutora italiana, seu marido escritor ou ainda outras pessoas, mas nada comprovado. Embora seja um caso curioso, eu acredito que deva ser respeitada a sua vontade e investigações nesse sentido sequer deveriam existir. Seja como for, especula-se que ela/e tenha nascido e/ou viva em Nápoles, uma vez que boa parte das obras se passa na região e trazem descrições detalhadas da cidade e seus costumes.
Foi justamente por ter uma viagem planejada para a Itália que eu comecei a ler a chamada série napolitana, um conjunto de quatro histórias com os títulos: A amiga genial (2011); História do novo sobrenome (2012); História de quem foge e quem fica (2013); e História da menina perdida (2014) – as datas são referentes à primeira publicação no país de origem. Na verdade, começando a ler o segundo livro eu já percebi que é um romance único, que precisou ser publicado separadamente pela sua extensão.
O primeiro deles, A amiga genial, é centrado na infância e adolescência de duas garotas na década de 1950. Elas têm uma relação de forte amizade, marcada pela dependência e competição entre si. Elena Greco (Lenu) é a menina mais inteligente da turma, mas vê sua vida transformada quando Raffaella Cerullo (Lila), uma criança magra, mal comportada e selvagem, se torna o centro das atenções. Enquanto uma se dedica à escola, a outra precisa trabalhar para ajudar no negócio da família.
Suas vidas são determinadas pelo bairro pobre e violento em que vivem, no subúrbio da cidade, e eu achei interessante como fatos históricos permeiam as suas trajetórias de maneira orgânica, fazendo com que o leitor conheça melhor a cultura italiana. Logo após o término da Segunda Guerra Mundial, muitas transformações aconteceram no país e isso é bem retratado. O enredo segue as vidas das personagens principais através de estudos, festas, brigas, sonhos, dificuldades, relacionamentos, inseguranças e várias questões bastante particulares do universo feminino.
Mais recentemente, a história foi adaptada para uma série de televisão que leva o nome do primeiro livro, mas tem uma temporada para cada volume. São as imagens dessa série que ilustram essa postagem. A autora não especifica o local onde vivem as meninas, mas muitos acreditam se tratar de Rione Luzzatti, um bairro de trabalhadores afastado do centro da cidade que passou a atrair muitos turistas após o sucesso dos livros. Construído no período facista, o conjunto habitacional conta com prédios de quatro andares e ruas largas, reconstruídos em estúdio com esmero para a produção.
À medida que as meninas saem do bairro, descobrimos junto a elas não apenas outros espaços, mas também uma realidade que acaba moldando suas personalidades. As visitas à parte central de Nápoles, por exemplo, as coloca em contato com uma grande diversidade de construções imponentes, estímulos visuais, trânsito intenso e pessoas de outras classes sociais, o que gera diversos questionamentos internos e conflitos. Para isso, foram feitas filmagens de locações em pontos facilmente reconhecíveis, como Lungomore, Piazza Plebiscito, Palazzo Reale, Galleria Principe e a rua de compras Corso Umberto I.
As cenas gravadas no Molo San Vincenzo, onde ficam as fortalezas dos famosos Castel Nuovo e Castel Sant’Elmo, mostram um espaço bem mais aberto, o que traduz bem a sensação de liberdade e excitação de visitar um lugar novo. Além do porto, também foram feitas imagens nas praias. Enquanto o texto usa a narração em primeira pessoa para descrever minuciosamente pensamentos e atitudes, a série lança mão de recursos próprios como a fotografia e o som para complementar os sentimentos mostrados nas ótimas atuações.
De fato, a série ganha novas cores com a chegada à Isola d’Ischia, considerada uma das mais belas ilhas da região. Entre atrativos como praias de mar azul cristalino e construções antigas como o Castello Aragonese, vemos a descoberta de um novo mundo externo, mas também da sensualidade e experiências traumáticas. Uma boa parte das cenas se passam em Barato d’Ischia, na parte sul da ilha, onde fica a Praia de Maronti.
Como se pode perceber, A amiga genial oferece a oportunidade de viajar por essa parte do país, seja através da leitura ou assistindo a série. Não é a toa que têm surgido passeios turísticos especificamente para visitar os locais citados pela autora ou mostrados da adaptação televisiva. Eu mesmo estou pensando seriamente em incluir uma ida à ilha no meu roteiro.
Enquanto isso, vou lendo os demais livros da série napolitana e, posteriormente, assistindo às demais temporadas. Elas estão disponíveis no serviço de streaming HBO Max como My brilliant friend – não encontrei quando pesquisei em português. Já o livro A filha perdida recebeu uma adaptação, dessa vez para um filme na Netflix, que também vai trazer a também uma série baseada em A vida mentirosa dos adultos.
Viajento 