Melancolia ★★★★★

Título original: Melancholia
Ano: 2011
Direção: Lars Von Trier
Elenco: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Alexander Skarsgård, Brady Cobert, Cameron Spurr, Charlotte Rampling, Jesper Christensen, John Hurt, Stellan Skarsgård, Udo Kier e Kiefer Sutherland.

A ideia desse filme surgiu após uma sessão de terapia do roteirista/diretor para tratar sua depressão. Lars Von Trier foi informado de que pessoas nessa condição têm a tendência de agir com mais calma em situações extremas porque já esperam que coisas ruins possam acontecer. A partir disso, ele desenvolveu a ideia de uma ficção científica que não tinha a ambição de retratar os acontecimentos astrofísicos com realismo, mas sim que focasse em examinar a psique humana na iminência de um desastre.

Eu já assisti a esse filme mais de uma vez, mas o contexto do isolamento social trazido pela pandemia mundial, algo que eu e todos que conheço jamais havíamos vivido, fez ressurgir o interesse na obra. A questão é que eu percebi que as pessoas tiveram posturas e sentimentos diversos com relação situação, com o receio de ficar doente ou perder um ente querido, na revolta ou defesa de um governo que tomou todas as decisões erradas no tratamento da crise, na exigência de ficar em casa e diminuir o contato com outras pessoas ou a exigência de sair para trabalhar, entre outras questões.

Seja no meu círculo de amigos, seja pelas notícias que acompanhei sobre o desenrolar da crise em todo o mundo, pude ver diferentes reações. Algumas pessoas minimizaram o problema e continuaram vivendo suas vidas como se nada estivesse acontecendo; muitos ficaram com medo e adotaram medidas para se proteger; outras aproveitaram para colocar em prática novos projetos; amigos e familiares tiveram crises de ansiedade e outros problemas; teve quem perdeu o emprego ou acabou com a renda comprometida; outros tiveram novas oportunidades de trabalho; o home office agradou a alguns e gerou dúvidas em muitos; pais precisaram se virar para cuidar dos filhos, afastados das escolas; a maioria sentiu falta dos encontros e contatos físicos; por fim, teve quem ficasse feliz e satisfeito com o tempo de folga extra em casa.

O enredo trata justamente de como pessoas de uma mesma família têm diferentes reações à uma catástrofe, no caso, a possibilidade do iminente encontro da Terra com outro planeta. Lars Von Trier se inspirou em notícias e teorias difundidas na internet sobre a possibilidade de tais eventos, mas não quis investir no suspense ou na ação. Pelo contrário, Melancolia se mantém na intimidade da vida de duas irmãs com perspectivas bem diferentes da vida, uma delas atravessando uma profunda crise depressiva inspirada nas experiências do próprio diretor.

Durante a sua festa de casamento, Justine tenta agradar a todas as pessoas ao seu redor, sorrindo e se esforçando para seguir os protocolos do evento. Ela constantemente é elogiada pela sua beleza, mas ninguém parece se importar com como ela realmente se sente. Infelizmente, a sua condição psicológica não permite que ela fique genuinamente alegre e todas as pessoas que ela procura não entendem ou não dão atenção aos seus apelos, contribuindo para o aprofundamento da sua depressão. Para ela, a possibilidade da morte é encarada com naturalidade, seja por que represente um fim ao seu sofrimento, seja porque ela seja suficientemente racional a ponto de entender que não há nada a seu alcance que modifique os acontecimentos, cabendo apenas esperar a passagem do planeta.

Já Claire é uma pessoa que sente a necessidade de estar no controle das situações, o que fica evidente no planejamento do casamento da irmã. Ela define os horários, o desenrolar dos acontecimentos e tudo que envolve a festa. O problema é que um evento de dimensões globais foge totalmente do controle pessoal e a sensação de impotência a leva a crises de ansiedade, habilmente demonstradas no roteiro pelas suas atitudes, inquietações e planos. Melancolia é dividida em dois atos distintos, cada um com o nome de uma das personagens principais.

Não podemos esquecer, entretanto, de John, o marido de Claire. Representando o lado mais racional de como lidar com a questão, ele acredita na previsão dos cientistas de que o planeta passará pela Terra sem causar problemas, ficando genuinamente interessado e empolgado em observar o interessante fenômeno. Já o filho do casal, Leo, varia entre a curiosidade do pai e a angústia da mãe, também sendo influenciado pela sua tia sobre como lidar com a situação. Como se pode perceber, é um drama denso. Os acontecimentos fantasiosos, se deixados de lado, permite avaliar como funciona o psicológico dos personagens e fazer associações com as nossas próprias vidas.

Tudo isso é mostrado com uma bela fotografia e efeitos especiais usados de forma a complementar a narrativa, nunca se tornando mais importantes que os personagens, brilhantemente interpretados por um elenco de peso. As filmagens aconteceram na Suécia, se dividindo entre cenas internas gravadas em um estúdio de Trollhättan e externas que mostram a área em volta do Tjolöholm Slott, uma grande casa de campo em Kungsbacka construída entre 1898 e 1904. O castelo e seus animais chegam a se tornar um personagem à parte, imponentes em sua grandiosidade e beleza.

Para quem achou a paisagem linda, o local fica aberto durante todo o ano, sendo que as visitas guiadas acontecem aos finais de semana na baixa temporada e todos os dias no verão. Já a entrada na capela depende de um pedido prévio. Uma boa opção é se hospedar na propriedade em si, o Tjolöholms Slottshotell, que também conta com restaurante de comida regional preparada com ingredientes frescos. Entre as atividades dos arredores estão trilhas para caminhadas no campo e nas florestas, além de ser possível curtir as praias do Mar do Norte.