Nascido em Paris em 8 de dezembro de 1861, Marie-Georges-Jean Méliès, ou George Méliès, como é mais conhecido, ou apenas Méliès, para os mais íntimos, foi um ilusionista francês que se tornou um dos mais famosos diretores de cinema do mundo ao criar diversas técnicas de efeitos especiais e desenvolver a narrativa nos primeiros anos da sétima arte. Além da direção, ele assumia os papeis de ator, diretor de arte, produtor, figurinista e outros.
Jean-Louis-Stanislas Méliès trabalhava produzindo sapatos e viajando e se estabeleceu em Paris em 1843, quando conseguiu emprego em uma fábrica de botas. Lá conheceu Johannah-Catherine Schuering, uma holandesa com a qual se casou e fundou uma fábrica de calçados de alta qualidade no Boulevard Saint-Martin. O casal teve três filhos, o terceiro sendo Georges Méliès.
Méliès frequentou escolas prestigiadas, uma vez que sua família se enriqueceu com a fábrica, e recebeu uma educação clássica e formal, um aspecto de sua biografia que eles fez questão de destacar devido às acusações de que a maioria dos diretores de cinema eram analfabetos incapazes de produzir qualquer coisa artística. Ainda assim, ele reconhecia que seu lado criativo geralmente se sobrepunha ao intelectual. Até mesmo na escola, os professores costumavam lhe chamar a atenção devido à quantidade de desenhos que ocupavam seus cadernos. Aos dez anos de idade, ele já criava bonecos de papelão para teatros de marionete, uma técnica que ele desenvolveu para marionetes na adolescência. Méliès se graduou na Lycée Louis-le-Grand em 1880 e foi trabalhar nos negócios da família, onde aprendeu a costurar.

Depois de três anos no serviço militar obrigatório, seu pai o mandou para Londres, onde Méliès trabalhou como balconista para um amigo da família. Na cidade, passou a frequentar o Egyptian Hall, comandado pelo famoso ilusionista londrino John Nevil Maskelyne, e desenvolveu uma paixão pela mágica. Em 1885, ele voltou para Paris com o desejo de estudar pintura na École des Beaux-Arts, mas seu pai se recusou a pagar pelos estudos do filho como artista e ele acabou trabalhando como supervisor de maquinaria na fábrica. Naquele mesmo ano, ele se recusou a satisfazer o desejo da família de se casar com a cunhada do irmão e acabou por tomar Eugénie Génin como esposa. O casal teve dois filhos: Georgette, nascida em 1888, e André, em 1901.
Ainda trabalhando na fábrica dos pais, Méliès continuou a se interessar pela mágica nos palcos, frequentando o Théâtre Robert-Houdin, fundada pelo famoso mágico Jean Eugène Robert-Houdin. Ele também começou a ter aulas com Emile Voisin, que lhe deu a oportunidade de performar pela primeira fez no Cabinet Fantastique do Grévin Wax Museum e, depois, na Galerie Vivienne.

Em 1888, após a aposentadoria do seu pai, Méliès vendeu sua parte da fábrica para os irmãos e, juntamente com o dinheiro que ganhou do dote da esposa, comprou o Théâtre Robert-Houdin que frequentara antes. Apesar de bem equipado, os truques e ilusionismos disponíveis no local estavam datados. Nos nove anos seguintes, Méliès desenvolveu pessoalmente mais de 30 novos números engraçados e melodramáticos, mais voltados para o estilo que viu em Londres, e a audiência aumentou consideravelmente. Um dos seus truques mais famosos era o Teimoso Homem Decapitado, no qual a cabeça de um professor era cortada no meio de um discurso, mas continuava a falar até que voltada ao seu corpo de origem. Junto da compra do teatro, Méliès ficou com o chefe da mecânica Eugène Calmels e a artista Jehanne d’Alcy, que tornou-se sua amante e, futuramente, segunda esposa.
Paralelamente ao teatro, Méliès trabalhava como cartunista político para o jornal liberal La Griffe, que era editado pelo seu primo Adolphe Méliès. Como administrador do teatro, passou a trabalhar mais atrás das cortinas, ficando com funções de diretor, escritor, produtos de objetos e figurinista, levando para o palco mágicos como Bautier De Kolta, Duperrey e Raynaly. Além dos truques, as performances incluíam pantomimas de fadas, autômatos durante os intervalos, apresentações de lanternas mágicas e efeitos especiais como neve, raios e trovões. Em 1895, Méliès foi eleito presidente do Chambre Syndicale des Artistes Illusionistes.
O documentário O Grande Méliès (Le Grand Méliès), escrito e dirigido por Georges Franju em 1952, conta a trajetória de George Méliès no cinema. Além de imagens de seus filmes originais, o curta-metragem traz sua última esposa Jeanne d’Alcy, então já bem velhinha, e André Méliès interpretando o pai.
Na noite de 27 de dezembro de 1895, Méliès compareceu a um evento de demonstração do Cinematograph, inventado pelos Irmãos Lumière – considerados, pela maioria das pessoas, os inventores do cinema. Os americanos, obviamente, argumentam que Thomas Edison inventou, na mesma época, dois aparelhos semelhantes – um para filmar e um para assistir e um onde era possível uma pessoa de cada vez assistir às imagens, ambos pesados. Os franceses criaram um aparelho móvel, capaz de gravar e exibir imagens em uma sala escura para uma grande audiência. Americanos, isso é cinema. Lidem com isso. Méliès, encantado com a novidade, quis comprar o aparelho dos irmãos Lumière, mas esses não tinham interesse em compartilhar sua invenção e argumentaram que se tratava de uma curiosidade passageira. Não satisfeito, Méliès foi para Londres onde comprou um Animatograph desenvolvido por Robert W. Paul e alguns filmes que passaram a ser exibidos em seu teatro. Depois de estudar o funcionamento da máquina, Méliès fez adaptações para que esta servisse como câmera filmadora. Em setembro de 1896, Méliès, Lucien Korsten e Lucien Reulos patentearam o Kinètographe Robert-Houdin, uma câmera de ferro fundido que fazia um barulho que levou seu criador a apelida-la de “moedor de café” e “metralhadora”. No ano seguinte, a tecnologia já tinha se desenvolvido e Méliès descartou a própria câmera e comprou equipamentos desenvolvidos por Gaumont, os Lumières e Pathé.

Méliès começou a fazer seus próprios filmes em maio de 1896, chegando a fundar a Star Film Company com Reulos no fim do mesmo ano. Algumas de suas primeiras obras eram cópias dos trabalhos feitos pelos irmãos Lumière, mas os temas desses pioneiros acabaram por se distanciar. Enquanto os Lumière enviaram equipes e equipamentos para vários lugares do mundo com o intuito de realizar documentários etnográficos, Méliès se voltou para a narrativa, mágica e ilusionismo, experimentando e inventando efeitos especiais. No mesmo ano, Méliès começou a construção de um estúdio com as paredes e teto feitos de vidro para permitir a entrada da luz solar, usada para gravar as imagens no filme. Com o passar dos primeiros anos, o inovador diretor, roteirista, ator e diretor de arte desenvolveu suas técnicas e passou a fazer filmes cada vez mais elaborados e longos, chegando a alcançar sucesso no exterior.

Em maio de 1902, Méliès fez o seu mais famoso filme, Le voyage dans la Lune. Foi o mais longo filme feito por ele até então, com 14 minutos de duração e custo de 10.000 francos. O filme foi um enorme sucesso na França e ao redor do mundo, sendo vendido em versões em preto e branco ou coloridas – o filme era pintado à mão quadro a quadro. O sucesso chegou também aos Estados Unidos, onde várias cópias piratas foram feitas e vendidas por produtores como Thomas Edison (aquele que os americanos falaram que inventou o cinema), Siegmund Lubin e Carl Laemmle, o que levou Méliès a abrir um escritório em Nova York administrado por seu irmão, Gaston Méliès.
Mas, como nem tudo dura para sempre, a popularidade dos seus filmes começou a declinar em 1905. Nos anos seguintes, Méliès passou a ser criticado por repetir fórmulas e o público perdeu o interesse. A partir de 1909, o diretor produziu poucos filmes, ficando a cargo do estúdio de seu irmão cumprir as metas de entrega de obras para a Motion Picture Patents Company criada por Thomas Edison, que controlava a indústria cinematográfica na Europa e nos Estados Unidos. Enquanto isso, Méliès fez um acordo com Charles Pathé, que financiaria seus filmes em troca do poder de distribuição e edição final das obras, mas não obtiveram muito sucesso. Quando Méliès quebrou o contrato com a Pathé, ele não possuía nada para cobrir seus débitos com a empresa. Na mesma época, a má administração de seu irmão o levou a fechar a filial americana. Eles estavam falidos e sem condições financeiras de fazer novos filmes. Além disso, sua esposa morreu em 1913 e o início da Primeira Guerra Mundial o levou a fechar o Théâtre Robert-Houdin por um ano. Durante a guerra, o exército francês confiscou mais de 400 cópias originais dos filmes da Star Films. Os negativos foram derretidos e a celulose usada na fabricação de saltos para sapatos. Em 1923, o teatro foi derrubado para a reconstrução do Boulevard Haussmann e a Pathé tomou a Star Films e o estúdio Montreuil como pagamento das dívidas de Méliès. Revoltado e desgostoso com o rumo de sua vida e carreira, Méliès queimou todos os negativos que ainda tinha guardados, bem como a maior parte de seus cenários e figurinos. Com isso e a deterioração natural dos negativos antigos, a maior parte de suas obras foi perdida para sempre. Pouco mais de 200 dos seus mais de 500 filmes foram preservados.

Depois que parou de fazer filmes, Georges Méliès desapareceu da vida pública. Nos anos 1920, sobrevivia com o pouco que ganhava com uma loja de doces e brinquedos na estação Montparnasse, em Paris, e o dinheiro de um fundo coletado de outros diretores de cinema. Em 1925, casou-se com sua amante de longa data e atriz em vários dos seus filmes, Jeanne d’Alcy, junto com a qual criava a neta Madeleine Malthête-Méliès. No final dessa década, jornalistas voltaram a se interessar por sua obra, alguns negativos foram recuperados e seu prestígio voltou a crescer na indústria cinematográfica com uma retrospectiva de seus trabalhos exibida na Salle Pleyel em dezembro de 1929. Infelizmente, o reconhecimento não ajudou sua situação de pobreza e ele continuou a trabalhar 14 horas por dia, sem folgas aos domingos ou feriados.
Em 1932, Méliès e sua família se mudou para La Maison du Retrait du Cinéma, uma casa para cineastas aposentados em Orly. O diretor ficou grato por ter a garantia de um teto para morar e refeições todos os dias. Em 1936, Méliès se tornou o primeiro curador do que seria futuramente a Cinémathèque Française. Apesar de nunca ter feito nenhum filme depois de 1912 ou performado no palco depois de 1923, ele continuou a desenhar, pintar e orientar novatos até o fim de sua vida. Em 1937, Méliès ficou muito doente e morreu de câncer no começo do ano seguinte. Seu corpo está enterrado no Cemetière du Père-Lachaise.