Embora os passeios turísticos mais famosos de El Calafate sejam os impressionantes glaciares que descem pelas encostas das montanhas e desaguam no lago, soltando enormes pedaços de gelo, a cidade também tem outros atrativos. Foi pensando em dar diversidade à minha estadia na região que eu incluí a visita a uma de suas fazendas.
A Estancia 25 de Mayo possui 17.000 hectares de terra, mas está localizada bem próxima ao centro da cidade, o que facilita bastante o acesso. Entre as opções de passeio, estão a tarde no campo para conhecer a propriedade; o jantar com espetáculo folclórico; ou, como eu fiz, as duas coisas. Independente da agência usada para contratar, o tour é feito pela própria fazenda e os preços são padronizados.

O passeio tem início mais para o final da tarde e inclui transfer saindo das hospedagens na cidade. Para aqueles que estão mais afastados ou ficando em casas e apartamentos particulares, é preciso se deslocar até pontos de encontro pré-determinados ou ir por conta própria em um carro alugado. Chegando lá, somos recebidos pelo funcionário que ficará responsável pela visita guiada, que começa contando a história de como a inóspita região da Patagônia começou a ser desbravada e explorada no final do século XIX.

A primeira expedição de reconhecimento aconteceu somente em 1877 e o trabalho de Francisco Pascasio Moreno foi importante não apenas para descobrir as características geográficas e os reconhecer o valor dos povos que ocupavam o local originalmente, mas também para traçar as fronteiras entre a Argentina e o Chile. Como era necessário povoar a região para garantir a soberania na área, o governo do país incentivou a ida de fazendeiros para lá e a criação de ovelhas, apesar do clima extremo, da falta de estrutura, da comunicação limitada e da baixa produtividade das terras.

Nos sentamos em volta de uma fogueira e acompanhamos o preparo do café com uma técnica que eu nunca tinha ouvido falar. Também serviram umas tortinhas fritas bem gostosas enquanto falavam brevemente sobre os proprietários da fazenda ao longo do tempo, chegando à família Ariztizábal, a partir de 1963. Desde então, as atividades se diversificaram e aumentou o foco no turismo. A estância conta, inclusive, com o tradicional Kau Yatún Hotel Boutique, um rancho de arquitetura tradicional cercado pela estepe patagônica.

A produção de lã passou por altos e baixos ao longo do século XX por diversas questões mundiais, que incluíram guerras mundiais, a reestruturação das rotas de comércio com a abertura do Canal do Panamá, a imigração de europeus para o continente sul americano e a queda nos preços devido ao aumento da oferta. Por isso, a Estância 25 de Mayo, como a maioria das fazendas da região, está mais voltada agora à criação de vacas Hereford, escolhida por melhor se adaptar ao clima local.

Mas, ainda hoje, podemos acompanhar como era feita a ovinocultura tradicional. Eu confesso que a demonstração da tosa de ovelhas me deixou um pouco incomodado. Embora o animal não sofra nenhum abuso físico e fique parado na maior parte do tempo, é inegável que se trata de um evento estressante. Por isso mesmo, segundo o próprio guia explica, todo o processo deve ser feito com a maior agilidade e rapidez possível.

Depois, passamos pelo local onde algumas mulheres trabalham com a lã, que deve ser selecionada, limpada, fiada e tingida para a criação de produtos diversos como roupas e acessórios, que são comercializados ali mesmo e em outras lojas da cidade. O trabalho garante o sustento de diversas famílias que vivem da produção artesanal.

Além do viés histórico e de conhecer um pouco sobre a criação das ovelhas, o o passeio também vale a pena pela sua beleza cênica, como pode ser visto no Cañadon del Arroyo. A extensa propriedade é dividida em três regiões: o campo de inverno; a meia temporada; e o campo de verão. Isso é importante para distribuir o gado pelo terreno ao longo do ano. Para se ter uma ideia, podem-se acumular até dois metros de neve na estação mais fria.

Eu fiz o passeio no outono, logo após à alta temporada dos meses quentes de verão. As folhas das árvores estavam tomadas por um amarelo intenso muito bonito e o clima estava agradável, mas frio. Como o passeio vai do fim da tarde ao início da noite e é feito na área externa, é importante estar bem agasalhado.

Também fizemos mais uma parada gastronômica, dessa vez para degustar umas torradinhas com cordeiro confitado e beber um vinho quente que, feito com especiarias, lembra o nosso quentão das festas juninas. É uma ótima bebida para dar aquela aquecida, já que o clima fica ainda mais gelado com os ventos fortes, típicos da região.

Aliás, ainda passamos por uma pequena horta orgânica, cuja existência desafia as condições extremas e prova que é possível utilizar de técnicas simples para garantir a produção de alimentos, ainda que em pequena escala e para consumo próprio. De fato, o que é feito ali não tem como destino a comercialização, mas é usado no restaurante da propriedade.

Terminada a visita guiada, nos dirigimos ao El Quincho, especializado no asado de carnes. Ali assistimos a um pequeno filme que resume a história local e partimos para um jantar típico argentino com entrada de pães e pastas; empanadas criollas; churrasco de cordeiro e outras carnes acompanhadas de batatas rústicas e buffet de saladas; e sobremesa.

Tudo isso é acompanhado por um belo espetáculo folclórico com artistas locais. Eu achei interessante porque não é aquele show grandioso feito para impressionar os turistas, mas sim músicas e danças típicas apresentadas de forma tradicional e respeitosa. O passeio encerra por volta das 22h30 com o retorno para a cidade.
