A natureza é o principal atrativo de Ushuaia, mas é importante entender a geografia e o clima para aproveitar melhor o passeio pela região. O nome da comunidade vem da junção de duas palavras do idioma yagan, povo indígena que ocupava a área antes da chegada dos europeus. Embora a tradução seja complexa, ushu seria algo que “penetra fundo na terra em direção ao oeste” e aia “baía”. Resumindo de forma muito simplificada “baía profunda para o oeste”.
A cidade está, de fato, em uma baía no sudoeste da Isla Grande de Tierra del Fuego, uma grande porção de terra no extremo sul do continente sul-americano dividida entre Argentina e Chile. As águas fazem parte do Canal Beagle, que liga os oceanos Atlântico e Pacífico e separa a ilhaprincipal de diversas outras menores, mais ao sul. O Estreito de Beagle tem cerca de 240 km de comprimento e largura mínima de 5 km.
O passeio de barco pelo canal com pinguinera é um dos principais atrativos turísticos da região e chega a percorrer mais de 60 km para aqueles que querem visitar a Isla Martillo, onde ficam grandes comunidades de pinguins. Quem tem menos tempo pode optar pelo passeio de barco pelo canal, que dura cerca de duas horas e meia. Já o passeio de iate pelo canal alcança quatro horas, incluindo uma trilha pela Isla Bridges.
A parte urbana está cercada pelas montanhas da parte final da Cordilheira dos Andes, que ali se divide em diversos cordões secundários com nomes variados. Embora sejam mais baixos que na sua porção continental, eles chegam a alcançar 1.490 metros de altura no Cerro Cornú. Bem próximo à cidade, destaca-se o Monte Olívia, com 1.328 metros. Já o Cerro Cinco Hermanos, bem ao lado, chama a atenção por possuir cinco picos bem definidos a uma altitude máxima de 1.037 metros.
Essas montanhas foram modeladas pelo deslocamento de glaciares, formando vales arredondados com depósitos de morenas, como são chamados os detritos arrastados pelas geleiras. Ainda há diversos glaciares na região, que funcionam como um rio de neve descendo a montanha em ritmo lento. Um dos exemplos é o Glaciar Martial, responsável por fornecer a maior parte de água potável para a comunidade e que pode ser visitado facilmente devido à sua proximidade. Saindo de algumas hospedagens que ficam no alto dos morros, como o Las Hayas Ushuaia Resort, dá para fazer uma trilha de poucos quilômetros e ver o topo congelado mesmo no verão.
Os riachos que correm pelos vales glaciais são curtos e com pouco volume de água, mas formam muitas cachoeiras. Nos pontos em que se acumulam, aparecem grande lagos, com destaque para o Lago Escondido, que recebe esse nome por estar entre montanhas, e o Lago Fagnano, que impressiona pelas suas dimensões. Eles podem ser visitados facilmente com uma excursão de 4×4. Já a Laguna Esmeralda e a Laguna de dos Témpanos são alcançadas a partir de trilhas.
Outro lagos podem ser vistos no Parque Nacional Tierra del Fuego, área de proteção criada em 1960 com quase 70 mil hectares, dos quais somente 2.000 são abertos à visitação pública. Embora os solos sejam férteis, eles são pouco profundos e estão sobre leitos rochosos. Com isso, há pouca variedade de árvores, que possuem raízes superficiais e vão sumindo à medida que aumenta a altitude. Eu fiz a viagem para Ushuaia no começo de abril, já no outono, e as folhagens estavam em lindos tons de verde, amarelo, laranja e vermelho. No topo dos morros, onde o acúmulo de neve é constante, até mesmo a vegetação rasteira e arbustiva desaparece.
O parque é um destino imperdível, podendo ser acessado por conta própria com um carro alugado, em uma excursão de ônibus, percorrendo trilhas pela mata ou até mesmo incluindo atividades esportivas como um passeio de canoa. Eu recomendo também adicionar o trajeto feito pela ferrovia que levava os prisioneiros para trabalhar no campo cortando lenha, hoje transformado em atrativo turístico com o nome de Tren del Fin del Mundo. Além de passar por paisagens impressionantes, é uma boa oportunidade para conhecer a história local.
A fauna acompanha a diversidade de ecossistemas da região, que inclui mar, floresta, costa, rio, lago e montanha. Entre os animais silvestres, destacam-se o guanaco e a raposa. Das aves, podemos citar condor, cormorão, pinguins, pica-pau e várias espécies de gaivotas, albatrozes, petréis e skuas. No passeio de barco vi diversos pássaros, mas também lobos-marinhos, golfinhos e a até uma baleia. Obviamente, ali também há muitos peixes, crustáceos e moluscos. A centolla, uma espécie gigante de caranguejo, é uma das iguarias mais procuradas nos restaurantes. Eu fui no El Viejo Marino, um estabelecimento simples e muito disputado pelos turistas.
Outros animais foram introduzidos pelos homens, com destaque para os castores. Esses grandes roedores, muito valorizados pela sua pele, foram trazidos para região na década de 1940 para fins comerciais. Só que seu pelo mudou com a alimentação e o clima, o que inviabilizou a venda. Como seu predadores naturais são os ursos, ausentes na Patagônia, o bicho tornou-se uma verdadeira praga, com uma população que já ultrapassa os cem mil.
O problema é que eles têm como instinto construir barragens, as chamadas castoreras. Para controlar o fluxo da água e criar suas tocas, eles derrubam muitas árvores e criam grandes clareiras, modificando a paisagem natural e afastando animais nativos de seus habitat. Para resolver a questão ambiental, os governos do Chile e da Argentina têm criado programas para incentivar a caça e comércio de sua pele, carne e cauda, mas esbarram em questões burocráticas e na qualidade do material.
Falando em clima, Ushuaia tem temperaturas médias bem baixas. Por isso, os turistas aproveitam os meses mais quentes do verão para visitar a cidade e os atrativos próximos. Mas é importante considerar as frequentes variações diárias, principalmente pela ocorrência de ventos fortes, sendo importante estar sempre bem agasalhado. O ideal é levar itens que possam ser vestidos e tirados com facilidade, como gorro, cachecol, luva e meias quentes.
As precipitações estão bem espalhadas ao longo do ano e podem acontecer tempestades intensas. Eu dei sorte e acabei não pegando chuvas fortes, mas ainda assim foi importante ter calça, casaco e sapatos impermeáveis pois alguns dos atrativos estavam molhados ou com lama, além de eventuais chuviscos.
Devido à sua localização, também há uma grande variação na duração do dia ao longo do ano. O tempo com luz do sol é significantemente menor nos meses de inverno. Apesar das condições extremas nessa época, o governo tem incentivado a visita no meio do ano com o incentivo à prática de esportes, tanto por profissionais que participam de competições quanto para turistas que querem fazer esqui, patinação, trenó, snowboard, hockey e outras atividades na neve e no gelo de modo recreativo. A cidade ainda é usada como ponto de partida para os cruzeiros que visitam a Antártida.
É importante notar que alguns atividades são específicas do verão, enquanto outras só podem ser feitas no inverno. Eu fui em abril para evitar a maior aglomeração de pessoas e ainda pegar um tempo bom. Fazia frio, mas nada tão intenso quanto no meio do ano, então foi possível aproveitar os atrativos dos meses mais quentes. O único realmente afetado foi o passeio de barco pelo canal, que incluía a visita à ilha dos pinguins e boa parte dos animais já estava migrando para outros lugares nessa época do ano. Ainda assim, deu para ver vários deles.
Falando em transporte, a melhor forma de chegar à cidade é pelo Aeropuerto Internacional de Ushuaia. Para se ter uma ideia, o trajeto pela Ruta Nacional 3 até Buenos Aires tem mais de três mil quilômetros e levaria quase 40 horas de viagem direta, sendo que o voo dura apenas 3h25. Já para El Calafate, destino incluído por boa parte dos turistas na mesma viagem, se gastariam umas 12h dirigindo e seria necessário passar pelo Chile e fazer uma travessia de balsa, enquanto o voo tem apenas 1h20 de duração. Ou seja, quem visita a região provavelmente vai mesmo passar por esse aeroporto.
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