Ushuaia é um destino com diversos atrativos naturais, mas sua história também é bastante interessante. Assim como é comum em outras áreas do continente americano, a Isla Grande de Tierra del Fuego era habitada há milhares de anos pelos povos indígenas, nesse caso os onas, chonkóiunka, alacalufos e yagans. Embora tivessem algumas particularidades, eles eram viviam como caçadores e coletores nômades, fazendo habitações rústicas. Apesar do intenso frio, ficavam completamente nus ou usavam poucas roupas, como peles de animais atadas sobre os ombros. Divididos em comunidades autônomas, tinham costumes próprios e, frequentemente, entravam em conflitos entre si.

Na região de Ushuaia, predominavam os yagans, que possuíam uma língua complexa, principalmente quando comparada a outros aspectos mais pobres de sua cultura. O nome da cidade, inclusive, vem desse idioma com a união das palavras ushu (fundo) e aia (baía), podendo ser traduzidas como baía profunda em uma versão muito simplificada. Chegando lá, descobri que a pronúncia correta é com “ss” em vez de “ch”, como costumamos dizer. Algo que soa tipo ussuaia.

A concepção de mundo desse povo era diferente da nossa, já que eram orientados a partir da água e não da terra. Isso acontecia por serem canoeiros nômades, se alimentando principalmente de mariscos. Mas também caçavam guanacos com arco e flecha e dormiam na terra. As dificuldades de sobrevivência faziam com que tivessem vida curta e sua estatura não ultrapassava 1,60 m. Embora tivessem uma tradição mitológica e mágica preservada por seus xamãs, não acreditavam em um deus criador.

Oficialmente, os europeus chegaram ao extremo sul do continente americano em 1520, ano em que Fernão de Magalhães fez a primeira viagem documentada ao local. Ele foi também o responsável por dar à região o nome de Terra do Fogo, tendo avistado as fogueiras feitas pelos indígenas ao longo das margens. Junto também chegou o italiano Antonio Pigafetta, responsável pelo primeiro léxico da linguagem patagônica. Outros navegadores chegaram posteriormente à ilha, mas o primeiro a permanecer por um tempo mais prolongado foi Alonso de Camargo, em 1541.

Reivindicado pela coroa espanhola, o território ainda seria disputado por exploradores ingleses, holandeses e franceses, com registro de batalhas navais e diversos naufrágios. Ao longo dos séculos, destacaram-se as expedições científicas, incluindo a visita do ainda desconhecido Charles Darwin, em 1831. Além disso, era feito o comércio de pele e óleo dos lobos-marinhos. Após conquistar sua independência, a Argentina buscou garantir sua soberania sobre as terras do extremo sul com um projeto de ocupação.

A chegada de Thomas Bridges, em 1870, foi importante para a criação de um povoado permanente. Apesar de sua preocupação com os povos originários, eles desapareceram nas décadas seguintes, tanto pelas epidemias trazidas com chegada dos colonizadores quanto pelo processo de aculturação, já que foram feitas missões religiosas para sua catequização. Em meados de 1880, era registrada a existência de menos de quatrocentos yagans em todo o arquipélago.

A Terra do Fogo foi dividida entre Argentina e Chile em 1881. Pouco depois, o governo argentino enviou uma tropa de navios para o local. Em 12 de outubro de 1884, foi içada a bandeira do país na Baía de Ushuaia, datando a fundação oficial da cidade e sua proclamação como capital da província. Com isso, chegaram grupos de espanhóis, portugueses, argentinos e italianos, além de garimpeiros para explorar o ouro descoberto no norte da ilha. Aos poucos, a sociedade se organizava e foram feitas melhorias na escola e criados juizado de paz, registro civil, serviço médico, correio, policiamento e cárcere, com planejamento urbano para o crescimento da cidade.

Ainda assim, em 1895, a população ainda não chegava a 500 pessoas, com cerca de metade delas vivendo na zona urbana. As missões religiosas continuavam atraindo indígenas e data dessa época a Antiqua Capilla. Na área econômica, destaca-se a introdução da pecuária e exploração da madeira. Mas a vida da pequena comunidade seria marcada mesmo pela construção de um enorme presídio a partir de 1902. A estrutura seria ampliada diversas vezes ao longo das décadas seguintes, recebendo condenados de todo o país.

Por um lado isso trouxe diversas melhorias na infraestrutura urbana, com os prisioneiros servindo como mão de obra para a instalação de iluminação elétrica, rede de telefonia, abertura de estradas, construção de pontos e coisas do tipo, entre obras urbanas e públicas. Por outro, criavam uma forte tensão com as fugas, revoltas e registros de maus tratos. Juntando a isso a situação geral do país e a primeira guerra mundial, boa parte da população abandonou a cidade. Um testemunho dessa época é a linha ferroviária do Tren del Fin del Mundo, que funciona atualmente como atrativo turístico.

A partir da década de 1920, se destacava o comércio de peixes, moluscos e crustáceos marinhos, além da pecuária, e houveram avanços na saúde pública, educação, transporte, cultura, turismo e vida comunitária. O presídio foi fechado em 1947. Os anos seguintes foram marcados por mudanças políticas e a descoberta de petróleo na região, levando ao desenvolvimento industrial e crescimento populacional. Por outro lado, questões sobre a soberania de algumas ilhas do Canal Beagle entre os dois países vizinhos se prolongaram até a década de 1980. Também foi relevante a guerra pelas Ilhas Malvinas, ainda hoje sob domínio inglês.

Atualmente, Ushuaia é um importante destino turístico da Argentina, além de desenvolver atividades produtivas e serviços. Embora a presença da marinha tenha influenciado sua redescoberta como destino de viagens, a principal forma de transporte até o local é através do Aeropuerto Internacional de Ushuaia. A alta temporada é nos meses de verão, quando o clima fica mais ameno e o transporte facilitado pela ausência de neve nas estradas.

Entre os passeios mais clássicos estão a navegação pelo Canal Beagle e Pinguinera partindo do Puerto Turístico, as belezas naturais do Parque Nacional Tierra del Fuego, o trajeto pela ferrovia antes usada pelos presos do Tren del Fin del Mundo, as trilhas nas montanhas ou de carro para conhecer os Lagos Escondido e Fagnano e diversos outros, além de passeios pela cidade, que conta com muitos restaurantes, museus, lojas e opções de hospedagem.

Eu fiz o passeio no começo do outono, ainda com temperatura agradável para os padrões locais, evitando a grande aglomeração de turistas nos meses mais quente. A paisagem estava com um belo colorido das árvores de tons verde, amarelo, laranja e vermelho. Também há atrativos nos meses mais frios, com o cenário coberto de neve e a prática de esportes de inverno, como esquiar nas montanhas e passear de trenó.