O Parque Nacional da Serra da Capivara possui 130 mil hectares e está protegido por um cinturão complementar com raio de 10 quilômetros de área de preservação permanente. Ali está presente uma importante e densa vegetação de caatinga, mas também há mais de mil sítios arqueológicos já catalogados, muitos dos quais foram preparados para a visitação e atrai a atenção de arqueólogos, antropólogos e outros pesquisadores, além de leigos interessados no assunto.

Há dezenas de milhares de anos atrás, essa região tinha um clima tropical úmido e era coberta por uma vegetação exuberante e fauna rica, com a passagem de grandes rios, lagos e cachoeiras. As condições eram ideais para o surgimento de assentamentos, com desenvolvimento e aumento das populações. Nessa época, nosso planeta ainda passava pelos os efeitos da glaciação. Como o mar estava bem mais abaixo do nível atual, havia mais plataformas e ilhas entre a África e a América do Sul. Além disso, os continentes são ligados por correntes marítimas que favoreceriam deslocamentos.

Isso torna factível a teoria de que grupos chegaram até o litoral brasileiro atravessando o oceano há cerca de cem mil anos e penetraram o interior seguindo o curso de grandes rios. As análises e datações dos vestígios encontrados nesse parque revolucionaram as teorias anteriores, que defendiam que a chegada do homem no continente americano teria acontecido pelo norte, no estreito de Behring. No Boqueirão da Pedra Furada, foram encontrados amostras de carvão e ferramentas de pedra lascada datadas de quarenta e cinco mil anos. Estudos posteriores, com técnicas mais avançadas, revelaram datas ainda mais antigas. A questão foi bastante discutida no meio científico e, até hoje, não é aceita por muitos a versão brasileira.

Seja como for, com a diminuição das chuvas, o clima semiárido transformou o cenário e acabou com a mega fauna, mas não inviabilizou a sobrevivência humana, que tinha como fonte de alimentação espécies de pequeno porte. O Crânio Zuzu é o esqueleto mais antigo já encontrado na região e data de quase dez mil anos. Ele é do sexo masculino, oval e alongado, semelhante ao tipo africano, enquanto a versão norte-americana defende que o continente foi povoado por asiáticos. Os visitantes do parque podem visitar várias das tocas que serviam de abrigo e onde encontram-se as pinturas rupestres.

Por volta de três mil e quinhentos anos atrás, apareceram aldeias de povos caçadores e ceramistas na região. As comunidades eram de médio porte, com uns duzentos metros de diâmetro, e contavam com habitações de forma elíptica dispostas em volta de um espaço central. Embora os recursos alimentares fossem os mesmos de seus antecessores, eles aprimoraram ferramentas como machados, discos perfurados e pilões. Os rituais também eram importantes, incluindo sepultamentos em covas de terra ou em urnas de cerâmica.

Posteriormente, a chegada dos europeus no país transformou a Serra da Capivara em um refúgio para grupos indígenas, vindos de diversas áreas invadidas, como a costa do nordeste e a região amazônica. Os colonizadores só alcançariam o interior do Piauí tardiamente, no fim do século XVII, quando adentraram o sertão para criar gado, dizimando os povos originários. Sua presença também está marcada nos sítios arqueológicos, como no aparecimento de fragmentos de louça inglesa do início do século XX.

O parque continuou sendo habitado ao longo dos séculos, principalmente por caçadores, coletores do látex da maniçoba e plantadores de mandioca, que produziam farinha e tapioca. Os produtos eram levados de jumento até as cidades próximas e trocados por alimentos e querosene. Obviamente, essa ocupação mais recente acabou danificando muitos dos achados arqueológicos, que passaram a ser estudados a partir da década de 1970. Os estudos também tiveram forte impacto na vida da população local. Quando o parque foi criado, muitos tiveram que sair de onde moravam e mudar seu modo de vida.

A pesquisadora franco-brasileira Niede Guidòn é formada em história natural e teve notícia dos sítios arqueológicos durante uma exposição de pinturas rupestres brasileiras, em uma conversa informal com uma visitante piauiense, que relatou a existência de desenhos semelhantes no interior do nordeste. Anos depois, ela teve oportunidade de visitar o local e levou as fotografias para a França, onde trabalhava como professora. Logo ela voltaria ao Brasil para comandar os estudos na região.

Em 1979, o governo brasileiro fundou, oficialmente, o Parque Nacional da Serra da Capivara. Já em 1986, pesquisadores da cooperação científica entre os dois países criaram a Fundação Museu do Homem Americano, presidida por ela. Também buscaram unir proteção à natureza, cultura e desenvolvimento econômico sustentável, garantindo benefícios para a população. Um dos exemplos de sucesso é a Cerâmica Serra da Capivara, que emprega dezenas de pessoas na produção de peças artesanais vendidas no país e no exterior. Uma Oficina de Camisetas, bonés, bolsas e outros acessórios também usa como tema as imagens das pinturas rupestres.

Também foram feitos cursos para condutores locais credenciados que acompanham os visitantes da Serra da Capivara. A população local é tratada como um importante elemento a ser preservado e diversas iniciativas tem sido tomadas para erradicar a pobreza e criar novas oportunidades de trabalho, já que as secas limitam a agricultura e a criação de animais. Mas o parque ainda precisa concretizar seu potencial turístico, que reune opções para quem tem curiosidade sobre a parte histórica e aqueles que buscam aventura em meio a natureza, com muitas trilhas entre as serras. Lugares semelhantes de outros países recebem milhões de visitantes de todo o mundo a cada ano, algo que ainda não acontece por aqui.

A maior dificuldade era o acesso, já que o aeroporto mais próximo ficava em Petrolina, no estado de Pernambuco, a cerca de trezentos quilômetros de distância. Agora já há voos regulares para São Raimundo Nonato, mas eles não acontecem todos os dias da semana. Recomendo pesquisar os voos para determinar qual é a melhor opção no seu caso. O setor hoteleiro e gastronômico da região ainda precisa se desenvolver mais para receber os turistas com mais conforto, mas eu não tive nenhum problema durante a minha visita ao local. Outra cidade usada como base para os passeios é Coronel José Dias, embora tenha menos estrutura por ser uma cidade menor. Seja qual for o caso, recomendo alugar um carro, já que o veículo pode ser usado nos deslocamentos entre os pontos distantes e também dentro do parque.

Em 2018, foi inaugurado o Museu da Natureza, bem integrado ao meio ambiente. Achei um ótimo complemento ao que é visto do lado de fora. São doze salas organizadas em forma cronológica, partindo do buraco negro, com a criação do nosso universo; passam por transformações geológicas, climáticas e biológicas; e chega às perspectivas para o futuro. Além do aspecto informativo, a exposição é moderna e interativa, fazendo com que a visita se torne mais interessante.

Com grandes cânions, florestas que ficam exuberantes na época das chuvas e ganham cores únicas na seca, fauna e flora ricas e representativas da região, além da importância cultural e histórica dos sítios arqueológicos, o Parque Nacional da Serra da Capivara tem tudo para ser um dos destinos turísticos mais importantes do país.